Eu tenho uma vela em formato de uma espinha dorsal. Isso, um fragmento de espinha com um pavio na ponta, que queima e emite luz. Nunca tinha visto algo assim antes. Olhei para aquele pedaço de coluna e achei aquilo tão poético, tão revelador. Que ideia genial fazer vela de uma coluna. Faz todo sentido. Pensei então que o ser humano, um corpo, é mesmo uma vela queimando ao longo do tempo. A cera vai derretendo e vamos nos acabando. Acho que o pavio seria a medula da coluna. A medula é um líquido precioso que carregamos dentro de nossa espinha onde se produzem todas as células do nosso corpo. É uma fábrica de vida protegida por ossos que a rodeiam. Se produzir rápido demais, células ainda imaturas entram na corrente sanguínea causando doenças hematológicas. Se demorar demais a serem produzidas e não saírem em quantidade suficiente, também. Mas tudo queima. Estamos todos acesos, com sorte, mas queimando. O corpo queima e vamos todos derretendo rapidamente. Muito mais do que gostamos de imaginar.
A coluna é o que sustenta o edifício frágil todo que somos. Algumas quebram, entortam com o passar dos anos. Envergam. A chama da vela, se tudo correr bem, prossegue, se não for atropelada por ventanias ou enxurradas. Somos velas impacientes, somos seres incendiários. Eu ando com minha chama em meia fase nos últimos tempos. Tem sido necessário caminhar com a mão em formato de concha em frente a minha chama para que ela não trema demais nem apague. Ou quem sabe seja escassez ou uma economia de oxigênio ao redor: são tempos ofegantes.
Meus textos parecem mais fragmentados, minha poesia tem sofrido partos difíceis. Mas gosto de romper com lógicas, gosto de ser livre enquanto escrevo. Não sei o quanto minha vela anda iluminando tanto assim ao meu redor. A cera que compõe a essência do humano é espessa, escorregadia, difícil de agarrar quando se dissolve. Talvez seja melhor mesmo não enxergar tão à frente. Mas gosto de pensar em quem me rodeia, que posso caminhar e esbarrar em outra vela perdida por aí e quem sabe falar do fogo, do vento e da água. Quem sabe derreter com companhia.
Uma vela só não faz incêndio.
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Foto da Capa: Freepik