Em junho de 2020 em plena pandemia do COVID-19 meu irmão me chamou e perguntou: Patricia tu já viste este vídeo da masterclass da Beyonce no youtube? E confesso que naquele momento eu me peguei pensando: masterclass da Beyoncé… e fui ver…
Era uma época em que eu estava imersa em questionamentos diante de todo o contexto pós a tragédia racial em relação a George Floyd, e o impacto que o COVID trouxe em um desnudamento da vulnerabilidade social que afeta as populações negras e pardas no Brasil, e no mundo… meus questionamentos estavam em repensar a fundo o sentido de tudo que sempre me atingiu: uma sensação permanente de não pertencer mesmo tendo feito uma trajetória de superação social. Mas a estrutura de exclusão sempre lembra de onde você veio e de que lá é seu lugar…
Voltando ao vídeo de Beyoncé… a cantora em 2020 fez um discurso virtual no “Dear class 2020” manifestando apoio ao movimento “Black Live Matter”:
“Vocês chegaram lá! No meio de uma crise global, de uma pandemia racial e numa expressão mundial de indignação pela morte sem sentido de outro ser humano negro desarmado. E vocês conseguiram mesmo assim. Estou muito orgulhosa de vocês. Obrigada por usarem suas vozes em coletivo e avisar ao mundo que vidas negras importam. Os assassinatos de George Floyd, Ahmad Aubrey, Breonna Taylor e tantos outros, nos deixou despedaçados. Deixou o país inteiro buscando respostas”, afirmou a cantora.
Porém ela usou sua voz poderosa para ir além de uma manifestação polida, e denunciou o sexismo da indústria da música, e o quanto ser uma mulher negra mesmo com o apoio de seus pais, e de estar em um país com oportunidades é amedrontador.
Beyoncé falou ainda sobre o trabalho e a indústria em que está inserida e direcionou esta parte do discurso para as mulheres. Em uma crítica a ausência feminina nas cadeiras mais altas, a diva comentou sobre a falta de oportunidades para mulheres negras, mencionando a chegada dela ao topo da indústria: Não havia mulheres negras sentadas à mesa. Então eu tive que cortar a madeira e construir minha própria mesa.
“E convidei os melhores para se sentarem comigo. Isto significava contratar mulheres, homens excluídos, pessoas que estavam esquecidas e esperando para serem vistas. Tenho muito orgulho de oferecer a eles um lugar na minha mesa.”
“E para todos aqueles que se sentem diferentes. Se você faz parte de um grupo que não tem chance de estar em um centro de um palco, crie o seu próprio palco e faça com que eles vejam você. Espero que vocês nunca deixem de ser vocês mesmos. A hora é de vocês, se façam vistos.”
Eu estava em Porto Alegre, naquele cenário histórico do furacão do COVID, e aquele discurso me atravessou de todas as formas como seu fosse eu mesma, uma estudante sentada naquela formatura.
A mídia repercutiu amplamente o discurso, mas para mim e para outres tantos iguais a mim cada palavra fazia e faz sentido em todos os dias das nossas vidas… Beyoncé dizia: underdogs… e aí vemos o poder da semântica e da linguagem.
Todos buscamos cortar madeiras e construir nossas mesas, mas a estrutura para a maioria de nós ainda vem no final do dia, e balança nossas tentativas, e vamos insistentemente buscando caminhos diferentes, hackeando oportunidades e acreditando firmemente na nossa potência como mulheres, negres, LGBTQUI´s, indígenas, corpos diversos, PCD´s e toda a pluralidade de seres humanos que não se enquadram na hegemonia supremacista.
Vivemos por resistência construindo formas de evolução para a transformação da sociedade para uma cultura inclusiva, diversa e plural. Mas ainda há tanto a lutar… porque infelizmente não se muda o que está dado sem atitudes energéticas e incansáveis de denúncia, aplicação de leis e direitos, educação e enfrentamento.
Mas dói… dói todo dia ao se ler as notícias sobre os infindáveis casos de violação a humanidade das pessoas como o feminicídio, a dominação dos corpos como na recente história da menina (negra) separada mãe e impedida por uma juíza de ter seu direito de aborto executado, e que ainda chamou o estuprador de pai, do homem negro com doença psiquiátrica morto pela polícia, das terras e corpos indígenas violados…
Mas eu apago a dor agindo e sei que minha comunidade faz isto… pois senão não teríamos chegado até aqui, e eu ajo através da comunicação, buscando me aliar as vozes que tem a visão de transformar estas realidades, e dando palco as pessoas que assim como eu. podem brilhar sendo diferentes.
Afinal os loucos, os desajustados e os inconformados sempre foram os vetores de transformação e inovação em todos os tempos. Viva os underdogs!