Esta semana, ao contrário do que possa indicar o título e o olho desta coluna, estou feliz. Descobri recentemente que tenho uma leitora assídua desta coluna semanal. Até este momento, escrevia focado no fato de que ninguém lia meus comentários aleatórios (além do nosso editor aqui na Sler, obviamente). Porém, agora devo satisfações à Eva.
Sendo assim, me obriguei a deixar a política de lado e falar do meu tema original: inovação. E é aí que entram as más notícias.
Esta semana, foi divulgado o Ranking Global de Competitividade Digital, organizado pelo Institute for Management Development (IMD), da Suíça. Segundo o relatório – que avalia a capacidade dos países em adotar e explorar novas tecnologias digitais para transformar práticas governamentais, economia local e competitividade global, além de aspectos comportamentais das suas comunidades – o Brasil caiu uma posição na lista e, agora, amarga a 52ª posição.
Ficamos bem no meio do caminho entre o Chile (41º e melhor latino-americano) e a lanterninha Venezuela (63ª posição entre os 63 países avaliados). E bem atrás de países como Portugal (na 38ª posição), Estados Unidos (em 2º) e Dinamarca, a nova líder mundial em inovação.
Em conversas profissionais, diversos interlocutores me argumentaram que avaliar a posição brasileira feita pelos suíços é uma bobagem. O sucesso nacional estaria, de acordo com eles, no número de empresas de sucesso criadas no Brasil. Eles estão se referindo, obviamente, a unicórnios como Nubank e iFood, por exemplo.
Pois bem, apesar destas opiniões, o ranking é um dos mais celebrados e reconhecidos do mercado. Ele parte de uma avaliação de 54 critérios organizados em 3 grandes eixos: conhecimento sobre tecnologia, adoção das tecnologias digitais e preparação para o futuro.
A partir disso podemos dar um zoom em questões tão diferentes como educação e formação de profissionais, investimentos públicos e privados em transformação digital, legislação, proteção de dados, inclusão social, digitalização do Estado e dos serviços públicos. São esses e outros aspectos que evidenciam a competência de uma nação em garantir a sua competitividade global a partir das novas tecnologias e nos permitem perceber a diferença brutal do Brasil em comparação com outras economias.
E é olhando para isto que entendemos que o Brasil não só não evoluiu, mas perdeu terreno no último ano devido à falta de investimentos das empresas na transformação digital e ao fato de inexistirem políticas públicas integradas e que orquestrem o macro desenvolvimento.
Com isso, por mais que tenhamos quase uma dezena de startups com valor estimado em mais de US$1 bilhão e inúmeros HUBs privados e públicos de inovação, notamos que eles são resultados de “espasmos” de empreendedorismo. São iniciativas isoladas, que têm em comum apenas o fato de terem alcançado o sucesso apesar da conjuntura nacional.
Neste aspecto, o miúdo Portugal vem totalmente na contramão do nosso gigante adormecido. Por aqui, temos áreas executivas no governo totalmente dedicadas ao tema, rodando uma centena de iniciativas para acelerar a capacitação das pessoas, a transformação das empresas e a digitalização do Estado. Tudo amarrado por um grande plano econômico de “Nação Digital”, com indicadores claros e documentados a partir da metodologia Balance Score Card (BSC).
Eu moro em Ericeira, uma pequena freguesia litorânea pertencente ao concelho (assim, com C mesmo) de Mafra. Com pouco mais de 20 mil habitantes, temos dois HUBs públicos de fomento à transformação digital nos segmentos industriais locais, como “economia do mar”, por exemplo. Tem dinheiro, espaços, coaching… tudo amarrado com as diretrizes nacionais.
É claro que os €750 bilhões injetados pela União Europeia para a transformação digital dos países membros facilitam muito esse trâmite, mas é muito mais do que isso. O que faz diferença é ter um plano a seguir, um ponto de partida para avaliar, ajustar e evoluir. Tudo isso é um guia para investimentos públicos e privados.
E vale lembrar que não estou comparando o Brasil com a Dinamarca. Estamos falando do 38º e do 52º colocados. Sem desconsiderar importantes iniciativas como Brasil Mais Digital, .Gov ou o fragmentado “Plano de Transformação Digital”, além das milhares iniciativas privadas, quero alertar para o fato de que o que falta é um projeto de país.
Sem operar sistemicamente, mesmo com unicórnios celebrados ao redor do mundo, o Brasil será sempre apenas um mercado gigante. Nunca uma nação gigante.
OUTRO ASSUNTO
Prometi que não falaria de política, então vou dar apenas algumas dicas de leitura:
Antecipei o resultado das eleições em minha coluna há poucas semanas. Como disse na época, infelizmente, jamais teremos representantes diferentes do que realmente somos como sociedade. Vale reler agora, passado o pleito.
Também recomendo os ótimos textos da Lelei Teixeira e do Lucianos Assis Mattuella, ambos aqui na Sler.