Com os eventos de ciclones desde junho deste ano, que se agravou com as chuvas de 25 de setembro, foram expostos os problemas de falta de manutenção e da infraestrutura precária das Unidades de Triagem (UTs) de Porto Alegre. A UT Aterro Norte virou uma grande lagoa, com os resíduos boiando no pátio e sem nenhuma condição de trabalho.
Como forma de apoiar as UTs que pediam socorro em vários grupos de WhatsApp, as colegas do POA Inquieta/Resíduos – Sílvia Marcuzzo, Cristina Petry, Alba de La Rosa, Mercedes Bendati, Ana Paula Medeiros, Simone Pinheiro e eu – nos unimos e criamos a Campanha de Apoio à Reciclagem – Por melhores condições nas Unidades de Triagem para cobrir despesas urgentes provenientes das fortes chuvas.
A campanha iniciou dia 28 de setembro e já arrecadou R$2.106,00. Parte desse valor, R$1.700,00 foi direcionado até o momento para arcar com despesas de aluguel de uma moto bomba usada para drenar um grande volume de águas pluviais da UT Aterro Norte. Também foi empregado na manutenção de telhas quebradas durante as fortes chuvas da UT Sepé Tiarajú e para a manutenção de uma prensa da unidade da Associação de Catadores da Cavalhada (Ascat).
A campanha vai seguir até dia 29 de outubro deste ano e visa cobrir outras despesas emergenciais das UTs da Capital.
Muitas dessas unidades de triagem operam há mais de 30 anos e vêm se degradando por falta de manutenção. Ao longo desses anos, essas UTs recebem convênios e agora mais recente um contrato de serviços que não cobre os custos operacionais básicos dessas unidades mensalmente como: água, luz, internet, materiais de consumo, manutenção de equipamentos, sistema elétrico, hidráulico, manutenção predial de reparos, pinturas), entre outros. Por esse motivo as manutenções não vêm ocorrendo há anos e os prédios estão precários, muitos deles oferecendo riscos aos trabalhadores.
A triagem dos resíduos realizada pelos catadores e catadoras dessas unidades não é um serviço ambiental urbano remunerado. A receita principal vem da comercialização dos resíduos sólidos que são triados como papel e papelão, plásticos, metais e vidro. Os resíduos plásticos são uma questão à parte, muito deles, especialmente os flexíveis, do tipo PP (BOP), transparentes e laminados possuem baixo valor agregado ou não estão sendo comprados/reciclados pela indústria.
Outro fator é que estamos vivendo uma queda gigante dos preços dos materiais, provenientes no mercado nacional de compra e venda, importação de resíduos no país. Esse cenário prejudica ainda mais as UTs que cada vez mais percebem a sua renda reduzir. A maioria dessas unidades não consegue pagar um salário mínimo aos seus cooperados, o que aumenta a rotatividade desses trabalhadores.
A campanha “A Conta tem que fechar”, lançada pelo Movimento Nacional de Catadores de Resíduos (MNCT) esse ano, diz respeito a essas questões. Não é possível operar e pagar todas as despesas de cooperativa de reciclagem de materiais com esses contratos de serviços atuais, e ainda ter que arcar sozinhos com a adequação dos prédios que na maioria são públicos.
Muitas pessoas não conhecem essa realidade e simplificam os problemas enfrentados pelas UTs. O trabalho realizado por essas UTs, em Porto Alegre, desvia dos aterros sanitários mais de 1.586 toneladas de resíduos recicláveis por mês (DMLU, 2022), esse número poderia ser maior, mas como fazer isso sem estrutura, apoio, investimentos?
Porto Alegre não consegue avançar na reciclagem e compostagem de resíduos sólidos urbanos porque não investe, não traz como prioritária essa pauta. Uma cidade que está realmente preocupada com a sustentabilidade e em reduzir os impactos causados pelas mudanças climáticas, também precisa se preocupar em praticar a economia circular, priorizando ações de reciclagem e compostagem.
Precisamos que o setor privado, junto com a gestão, assumam a sua responsabilidade de promover estrutura para que esses resíduos sejam coletados e encaminhados para serem reciclados e compostados. Os consumidores devem encaminhar seus resíduos de forma adequada, além de reduzi-los e reutilizá-los.
Enquanto isso, os aterros estão abarrotados de resíduos, muitos deles que não deveriam estar lá, materiais recicláveis, gerando impacto, desperdícios, além de contribuir com o aumento dos gases de efeito estufa que estão causando todo esse desequilíbrio no mundo.
Quando vamos entender que estamos fazendo parte dessas escolhas?!
Joice Pinho Maciel, Sócia fundadora da Apoena Socioambiental. Gestora Ambiental, Dra. em Eng. Civil, especialista e Gerenciamento de Resíduos Sólidos Urbanos e Economia Circular. Entusiasta de projetos de educação ambiental e consumo responsável. Integrante do spin Resíduos do POA Inquieta