É inerente ao ser humano o desejo de possuir algumas coisas como suas, podendo delas tirar todos os proveitos. Quem não sonha com a sua casa própria, com um local para trabalhar, em juntar um patrimônio que lhe servirá como meio de obter uma renda, segurança, lazer, ou algo a ser deixado para seus herdeiros? E vem dessa aspiração humana o direito de propriedade, que confere ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder e quem injustamente a possua ou detenha.
A propriedade é um direito e garantia fundamental, previsto na Constituição Federal brasileira, mas não é um direito absoluto, pois a propriedade deverá atender a sua função social, poderá até mesmo ser desapropriada em caso de necessidade, de utilidade pública, ou interesse social, e ainda estar sujeita a requisição administrativa em caso de iminente perigo público.
E uma das formas de aquisição da propriedade é a usucapião, definida pela doutrina como “a aquisição da propriedade, móvel ou imóvel, pela posse prolongada e ininterrupta durante o prazo exigido pela lei para se dar a prescrição aquisitiva”.
Assim como a aquisição da propriedade por meio da usucapião de um imóvel que se detêm apenas a posse, pode representar um imenso benefício para o possuidor, que terá como seu o imóvel, podendo até mesmo vender a terceiros por um preço muito maior do que teria se apenas cedesse a sua posse, a usucapião pode ser um grande problema para aquele que perde seu direito à propriedade.
Desse modo, é importante que as pessoas conheçam os tipos de usucapião previstos na legislação brasileira e seus principais requisitos, para que possam exercer esse direito ou, no caso do proprietário, impedir que se concretize.
Quais são as espécies de usucapião e seus requisitos?
I – Usucapião Extraordinária
Possuir como seu, sem interrupção, nem oposição, por 15 anos, sem interrupção, independente de título e boa-fé. Esse prazo será reduzido para 10 anos, se o possuidor houver estabelecido a sua moradia habitual, ou nele houver realizado obras ou serviços de caráter produtivo;
II – Usucapião Ordinária
Possuir o imóvel, por 10 anos, de forma continua e incontestadamente, com justo título e boa-fé. O prazo será de 5 anos se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores tenham nele estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social ou econômico;
III – Usucapião Especial Rural
Não ser proprietário de imóvel rural ou urbano, possuir como seu, por 5 anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia;
IV – Usucapião Especial Urbana
Possuir como sua, área urbana de até 250 metros quadrados, por 5 anos ininterruptamente, e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família;
V – Usucapião Familiar
Exercer por dois anos, ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 metros quadradas, cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família.
VI – Usucapião de bem móvel
Possuir a coisa como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé
Pode o possuidor atual do imóvel, para fins de contagem de tempo, somar o tempo da sua posse com o tempo dos possuidores anteriores?
Sim, o Código Civil permite que o possuidor some o tempo da sua posse com o de quem possuía o imóvel anteriormente, para atingir o tempo necessário para a usucapião, desde que ambas sejam mansas, pacíficas, contínuas e com a intenção de obter o domínio da coisa, ou seja, com ânimo de dono.
Como deve proceder o possuidor?
Se o possuidor conseguir cumprir os requisitos legais, acima, deverá procurar obrigatoriamente um advogado para que seja analisado caso a caso, e se é mais vantajoso optar pela via extrajudicial ou judicial caso presentes os requisitos para a usucapião. A via extrajudicial é mais célere, porém costuma ser mais cara. A usucapião pode ser usada também como defesa, caso o proprietário do imóvel entre com alguma medida judicial visando a reintegração ou imissão do imóvel, por exemplo.
Será importante que o possuidor vá acumulando, durante o transcurso dos anos, provas de quando sua posse começou, que ela é contínua, mansa, pacífica, que nesse período ele sempre agiu como se fosse dono do imóvel, por exemplo, pagava o IPTU e as contas do imóvel estavam em seu nome, e que a sua posse não decorria de um contrato de comodato, aluguel, trabalho, pois nesses casos há forte entendimento que jamais seria cabível a usucapião.
Como deve agir o proprietário para evitar a usucapião?
Caso a sua posse esteja ameaçada, perturbada mas não afastada (turbada), ou esteja invadida ou com um alienante ou terceiro que se recuse a sair do imóvel (esbulho), imediatamente procure um advogado. A mera notificação extrajudicial ou até mesmo judicial, ou o registro de ocorrência na polícia, não interrompem a contagem de prazo para a usucapião.
Quanto antes o proprietário entrar com uma medida judicial melhor. Existem diversos procedimentos judiciais que irão proteger o proprietário, a ação de manutenção de posse no caso de perturbação, o interdito proibitório no caso de ameaça, para que a invasão não se concretize, e a ação reintegração de posse caso o imóvel tenha sido invadido. Também é possível o ajuizamento de uma ação reivindicatória ou de imissão de posse. A ação mais adequada deverá ser verificada pelo advogado levando-se em conta a situação fática.
Veja-se que se a posse do invasor não ultrapassar a um ano e dia, a ação de reintegração de posse terá procedimento especial, cabendo liminar já no início do processo para remover o invasor. Se a posse do invasor for superior a ano e dia, o processo seguirá o procedimento comum, e não haverá liminar.
Ademais há forte entendimento jurisprudencial que mesmo que o proprietário entre com uma ação de reintegração de posse ou imissão de posse, antes de o prazo da usucapião transcorrer, se o possuidor conseguir completar o tempo necessário para usucapir, sem que o proprietário tenha conseguido reaver a posse do imóvel, o possuidor terá o direito de usucapir.
Como vem entendo o STJ?
No julgamento do AResp nº 1.542.609-RS, o STJ entendeu que “se a ação proposta pelo proprietário visa, de algum modo, à defesa do direito material, deve-se reputar interrompido o prazo prescricional a partir da citação verificada nesse processo.
No julgamento do Resp 1.584.447/MS, o STJ entendeu que “a interrupção do prazo de prescrição aquisitiva somente é possível na hipótese em que o proprietário do imóvel usucapiendo consegue reaver a posse para si, sendo que a mera lavratura do boletim de ocorrência por quem se declara proprietário do imóvel litigioso não é capaz, de por si só, interromper a prescrição aquisitiva.”
Considerando que os processos na justiça brasileira nem sempre andam com a velocidade necessária para evitar graves injustiças, há sempre o risco de o possuidor conseguir completar o prazo para que a ação de usucapião seja julgada procedente, antes que o proprietário consiga reaver o imóvel. Por isso proprietários, corram, “O direito não socorre aos que dormem”.