Deformidade sistêmica do sistema bancário, manicômio tributário, juros extorsivos: essas são alguns termos que começam a surgir no tema político brasileiro. Mas tem um problema e ele não é pequeno. Onde está o principal personagem dessa história brutal: os banqueiros?
É alucinante assistir aos noticiários, em especial dos canais fechados — como Globo News, Band News e CNN Brasil — e a menção a esse personagem é inexistente. Onde estão os banqueiros? A pergunta está longe de ser trivial. Trata-se de uma política de invisibilização planejada. Notem quem são os personagens apresentados ao grande público: os cidadãos, os endividados, os juros, a taxa do dólar, os juros internacionais, o sistema tributário, o sistema fiscal, o sistema financeiro, a bolsa de valores, e no limite, os bancos (vítimas). Mas e os banqueiros?
Outra constatação é o nível de explicação dada pelos jornalistas e pelos especialistas convidados. Em relação aos jornalistas, a questão não é a profissão em si, mas o tipo de conteúdo e narrativa construída para o grande público no cenário brasileiro. Os responsáveis por definir a pauta, conteúdo e tipo de narrativa tem todos CPF. As pautas jornalísticas não brotam do nada (ex nihilo como dizem os filósofos). As pautas e conteúdos têm origem, endereço e CPF. Assim como os banqueiros. Juros acima de 400 por cento ao ano é mais do que pornográfico, é a barbárie materializada na vida cotidiano de mais de 95% da população brasileira.
Em relação aos especialistas convidados para entrevistas, é outra questão. Um jargão tão hermético e blindado quanto o conteúdo de decisões jurídicas. E onde estão os banqueiros nessas falas? A pergunta continua. Ao mergulhar um pouco mais fundo na compreensão do conteúdo que está em jogo, nota-se que a questão não é sobre os juros, mas sobre blindar o privilégio de ser invisível aos olhos públicos. Quem precisa ser protegido? A legitimidade de pautar juros criminosos. E para quem? Sim, os banqueiros. Não é o cidadão que defini juros para si de mais de 400% ao ano.
Vamos lembrar, que a usura, esse bichão papão, já é crime em muitos países sérios. O Brasil ainda não conquistou sua independência do colonialismo bancário. Nem o Brasil, nem os brasileiros e brasileiras, as quais são submetidas as piores condições financeiras do planeta. Sim, há dezenas de estudos e pesquisas que mostram como o sistema de juros criminosos é danoso à saúde de cidadão: física e emocionalmente.
Usura é agiotagem. No Brasil, só os banqueiros podem legalmente fazer agiotagem e praticagem juros a seus bel-prazeres. A primeira e última presidente do Brasil pautou o tema e foi derrubada. Sim, foi golpe. A história, em algum ponto, mostrará os bastidores.
Recentemente, o professor e economista, reconhecido internacionalmente, Ladislau Dowbor fez uma apresentação aos congressistas na Câmara dos Deputados sobre “políticas de juros” no Brasil. Os dados são apavorantes, para mencionar o mínimo. O professor chega a mencionar em tom de ironia como é “simpático” o cidadão escutar que pagará ‘juros de 29,7 % a.m.’ em algum canto da sua fatura do cartão de crédito. Alguns defenderão: a culpa é do cidadão que não sabe usar o cartão de crédito. O cidadão que não é educado, o cidadão que não conhece as várias camadas do sistema de poder (e não digo aqui conhecimento do sistema financeiro, de juros sobre juros, lógica de investimentos em off-shore, e outras práticas mais agressivas de produzir dinheiro só com dinheiro).
Talvez o responsável seja o cidadão mesmo. Agiotagem só para quem pode e não para quem se livrar desse tipo de violência blindada da cena brasileira.
E os banqueiros? Coitados, nada podem fazer.
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Conteúdos críticos indicados da coluna de hoje:
- Para quem tem pressa — Tempo: 18 min. Audiência sobre Políticas de Juros no Brasil. Professor Dr. Ladislau Dowbor na Audiência Pública sobre o Limite nos Juros. Auditoria Cidadã da Dívida.
- Para quem tem pouca pressa — Tempo: 02 h e 15 min. Filme. Democracia em Vertigem. Direção Petra Costa. 2019.