Em 1994, foi lançado no Brasil o livro As Palavras Andantes que o autor, o uruguaio Eduardo Galeano, definiu assim quando convidou o cordelista, poeta e xilógrafo brasileiro J. Borges para ilustrar a obra:
“…espantos e encantos que quero escrever, vozes que recolhi nos caminhos e sonhos meus, de tanto andar acordado, realidades deliradas, delírios realizados, palavras andantes que encontrei, ou fui por elas encontrado”.
Outro dia, andando mais uma vez com as palavras do Galeano, reencontrei uma história que serve como estímulo para toda a gente seguir perseguindo o sonho de uma vida melhor num país mais igual e em total liberdade.
Repito aqui, como está no livro, o espanto recolhido por Galeano em conversa com um amigo dele, o cineasta argentino Fernando Birri:
Janela sobre a Utopia:
Ela está no horizonte, diz Fernando Birri. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar.
Utopia, você lembra, é o título do livro do inglês Thomas Morus que descreve uma sociedade fictícia onde não acontece nada de ruim. Nestes tempos de recuperação da esperança, o horizonte parece mais perto e a gente precisa crer que é só mais um passo e pronto, aí está a Utopia!
Utopia é sonho e sonho cada um tem o seu e caminha com ele. O da moça, desesperada com o desemprego e portando um cartaz no sinal fechado para os carrões na pista do Lago Sul, em Brasília, é arrumar o dinheiro do aluguel atrasado…
A Utopia da família protegida só pela lona preta debaixo da mangueira, como o arremedo miserável de um presépio vivo fora de época, ali bem pertinho do Palácio do Planalto, é que algum mago jogue uma coberta qualquer, um brinquedinho pras crianças pela janela do carro (oficial?)…
A Utopia do homem que perambula gritando “é a fome, é a fome” numa quadra residencial da Asa Sul da capital federal era que lhe caísse na cabeça um resto de algum almoço abastado. O sonho dos milhões na fila do auxílio desemprego é ter a carteira profissional assinada de novo, ou pela primeira vez.
O horizonte de cada um está bem ali, mas se afasta na velocidade do sinal que abre, da janela que se fecha, do carro que passa, na dureza da frase “não há vagas” e leva a Utopia de cada um…
Todo dia, toda hora, somos obrigados a dar mais um passo no caminho dessa vida melhor. A busca da Utopia é trabalho para todos. Se andarmos juntos, ela, um dia, não nos escapa. Me atrevo, aqui, a uma receita:
Primeiro, misture suas aspirações com as de seus amigos, parentes, colegas de trabalho. Tempere com a suavidade da liberdade, com o gosto forte da verdade, elimine o ardor da intolerância, o amargo da corrupção e leve tudo ao calor das ruas. Vá adicionando o melhor de cada sonho encontrado…Mas, importante: não desista, nunca, desse caminhar na busca do Brasil mais livre, mais solidário, mais igual. Sigamos caminhando! Utopia está logo ali…
Foto da Capa: Rovena Rosa / Agência Brasil