O voto é livre. Votei em quem me representa e representa boa parte da população deste país à deriva. Ninguém vai me tirar direitos neste momento delicado depois de quatro anos que escancararam a leviandade, a falta de respeito e de compromisso com princípios democráticos, com as nossas raízes, a nossa cultura e a nossa identidade.
Votei pela vida cotidiana que só é possível quando há civilidade, que se traduz em respeito, acolhimento, pluralidade, inclusão e solidariedade
A trajetória e o comportamento político de quem hoje governa o país nunca foi recomendável – desrespeitoso, machista, violento, estúpido, racista, homofóbico e debochado. Tudo começou em 1964 e se renovou em 2016. Quando deputado, ficou conhecido pelas referências polêmicas e ofensivas aos homossexuais, às mulheres e aos negros. Em 2008, no plenário, disse para a então ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário (PT-RS), que jamais a estupraria, pois “ela não merecia”.
Sua necessidade de ofender extrapola todos os limites – “Não corro o risco de ter uma nora negra porque meus filhos foram bem-educados”
Defensor da ditadura militar, sempre foi contra o movimento LGBTQi+ e combateu o plano do Ministério de Educação e Cultura/MEC de incluir o combate à homofobia nos currículos escolares em 2011. Em 2016, ao votar pelo impeachment/golpe contra a presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, com o objetivo de ofendê-la, fez referências às Forças Armadas e ao torturador Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Uma atitude grotesca e raivosa que chocou defensores dos direitos humanos e conhecedores da trágica história que vivemos durante a ditadura no Brasil, como eu e tantos outros. Paralelamente, vomitou xingamentos homofóbicos contra o também deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ), o que levou o parlamentar a um ato extremo durante uma sessão tumultuada – cuspir no colega da Câmara. Citei aqui apenas algumas atitudes preconceituosas e machistas do militar reformado, então deputado federal pelo Rio de Janeiro (1991/2018), conhecido desde sempre pelos discursos que destilavam ódio.
Aí, resolveu disputar a presidência do país e ganhou, por conta de uma série de equívocos político-partidários. No final de 2018, antes da posse, alguns brasileiros corajosos reagiram. Um dos movimentos partiu dos grupos LGBTQIA+. Diante da eleição confirmada de um mandatário que se dizia orgulhoso de ser homofóbico e que tratava a homossexualidade como “defeito de fábrica”, milhares de casais gays decidiram casar no civil antes da entrada do miliciano no Palácio do Planalto.
No governo, para mostrar sua força nefasta e violenta, tratou logo de liberar o uso de armas de fogo. Seguiu elogiando o regime que matou, torturou e tirou a liberdade de muitos brasileiros. E, claro, tratou de fazer negociatas com senadores e deputados que resultaram na formação de um grupo chamado centrão – os bajuladores de sempre que se curvam para garantir/aumentar poder e dinheiro. Até porque na paróquia do Planalto Central do país ninguém é ingênuo. E poucos estão lá para trabalhar honestamente pelo povo.
Em 2020, virou as costas para a pandemia e ignorou os apelos de cientistas e infectologistas, que precisaram se unir para desarmar as mentiras do governo sobre a covid-19. Enquanto trocava de ministros da Saúde como quem troca de camisa, deu andamento a sua cruzada contra a vacina. Diante de tanta irresponsabilidade, especialistas tornaram-se porta-vozes da sensatez que faltou ao governo no período mais grave da saúde pública deste século. O Brasil não escapou de ser um dos países com mais vítimas fatais da doença pela omissão/deboche do governo – “é só uma gripezinha”. E quando perguntavam sobre as mortes a resposta era – “não sou coveiro”. Foram quase 700 mil mortes e teriam morrido ainda muito mais pessoas se um grupo de cientistas não tivesse se negado a seguir a estratégia do Ministério da Saúde, que recomendava a venda massiva de cloroquina e ivermectina. Total falta de empatia com os familiares das vítimas.
Já o Ministério da Educação foi jogado nas mãos de corruptos e teve até pastores sem cargos públicos que distribuíam verbas federais para os seus. Ministério que acenou com outras tantas medidas irresponsáveis e preconceituosas como separar crianças com deficiência do convívio com outras crianças em sala de aula. A política educacional, pautada pela ideologia, prejudicou o aprendizado de crianças e adolescentes, especialmente entre os mais vulneráveis. Não contente com o desmonte, ainda transformou o Ministério da Cultura em Secretaria e instalou o caos ao entregar o cargo para quem nada entendia de arte e de movimentos culturais. Assim como fez com as políticas de preservação do meio ambiente, deixando a Amazônia à mercê do garimpo e do crime. Diante da morte do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, limitou-se a chamá-los de “aventureiros”.
É um estadista ou apenas brinca no “cercadinho”?
Impossível não voltar à pergunta: Quem matou a vereadora carioca Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes na noite de 14 de março de 2018? O governo virou as costas para a violência que matou uma defensora dos direitos humanos e do feminismo, crítica da intervenção federal no Rio de Janeiro e das ações da Polícia Militar, denunciando abusos de autoridade por policiais contra moradores de comunidades carentes.
Em setembro de 2022, com as eleições logo ali, turbinou o Auxílio Brasil e baixou o preço da gasolina, medidas claramente eleitoreiras. Não contente, ainda transformou o Sete de Setembro em um ato eleitoral, com ameaças explícitas à democracia, ao processo eleitoral, às urnas eletrônicas e ao resultado das eleições, promovendo motociatas, sem capacete, como convém a um miliciano, fascista raiz. Exemplo e responsabilidade para quê?
A cada turbulência provocada, uma pergunta: Vai passar?