Precisamos acabar com as bancas de jornais e revistas. A forma pela qual consumimos informações mudou muito na última década. O hábito de ler o jornal impresso pela manhã ou de escolher a revista semanal na banca da esquina foi substituído pelo consumo desenfreado de informações e mensagens em aplicativos no celular. Há quem prefira desacelerar para se informar e ainda mantenha a leitura diária como rotina, seja no digital, seja no papel, ou mesmo na escuta do rádio. As nossas rotinas são moldadas pelos nossos hábitos de consumo e desde que o iPhone foi introduzido no mercado em 2007 parece que o mundo desmaterializou.
Mas aí veio a pandemia de Covid-19 e as pessoas foram obrigadas a conviver com as telas, ou seja, os dispositivos deixaram de ser uma escolha disruptiva e passaram a ser um compromisso. O convívio intenso provocou um efeito reverso, um desejo de sair das telas para o encontro físico. Eu mesma tenho marcado mais cafés presenciais, tenho ido a eventos em ambientes abertos, tenho caminhado mais na cidade. É na ausência que sentimos falta e damos valor a pequenas alegrias como admirar o pôr do sol com amigos ou ler um livro na beira da praia.
O resgate de rotinas saudáveis, de sociabilidade, tem me feito contemplar mais a cidade. Nesta semana, parei para pensar sobre as bancas de jornais e revistas. Estes espaços de venda de notícias são concessões da gestão pública para exploração comercial. Durante muitos anos, foi um negócio de ouro, retorno garantido. Hoje poucas sobrevivem no modelo original, pelo menos aqui em Porto Alegre, de onde eu escrevo. Há até uma banca, ali na esquina da rua dona Laura com a avenida Goethe que virou uma floristeria. No lugar das notícias, as flores. Ficou bonito, eu gosto de flores, mas o que significa esta troca intencional? É como se a cidade estivesse comunicando aos porto-alegrenses que os jornais deixaram de existir.
A banca de jornal funcionou até então como uma delimitação de espaço para a leitura do dia. Mesmo que a rotina acelerada não permita a parada, a banca está ali a comunicar que existe um espaço onde as notícias vivem. E foi justamente este espírito que moveu um projeto na prefeitura de Curitiba pela diversificação dos negócios de banca. “Em vez de um negócio, dois ou três” era a chamada para o reinvestimento no espaço de leitura. Até um dos bancões mundiais, o Santander, lançou um financiamento facilitado para empreendedores oferecerem no mesmo espaço além de revistas, jornais e livros, também café com mesas, manicure, gráfica, papelaria, floricultura etc. A prefeitura autorizou que os concessionários ampliassem o espaço ocupado na calçada para que as pessoas pudessem usufruir da experiência. A prefeitura de São Paulo também está discutindo um projeto na direção de ampliar o negócio e movimentar mais o entorno da banca de rua.
A condição dos projetos de Curitiba e do que está em discussão em São Paulo é preservar a herança cultural e estimular o hábito da leitura de notícias. Quem sabe os concessionários podem lançar uma proposta de jornal ou revista compartilhado cobrando a hora leitura ou mesmo investir em tecnologia de tela por toque (touchscreen) para as pessoas pararem na banca para ler o jornal em um totem, certamente uma experiência melhor do que ler na pequena tela do celular. Conhecer estes projetos me provocou à imaginação, já me enxerguei em uma destas novas bancas, lendo o jornal do dia, tomando um café e comentando algum fato com os vizinhos. As notícias do dia reinventadas como experiência.
Quem sabe a minha Porto Alegre possa bancar as bancas de leitura como projeto de cidade para que as pessoas ocupem mais as ruas, conversem entre si, debatam as notícias do dia e convivam mais. Se o celular moldou a nossa vida e transformou nossos hábitos, pense o que um redesenho de cidade com valorização da leitura, do verde, da presença das pessoas nos bairros pode deixar de legado. O mobiliário da cidade comunica. Precisamos acabar com as bancas de jornais e revistas e reimaginá-las na cidade do futuro.