A não ser que sejam preciosas, decorativas ou raras, quem dá valor às pedras? Existem montanhas delas por todos os lados. Normal que a gente não dê muita bola, mas vocês já pararam para pensar se nosso planeta não as tivesse? Se fosse, sei lá, pura terra e areia? Acordei com esse pesadelo, pensando em como poderia ter sido o mundo sem a consistência desse material. Que história estaríamos contando da humanidade?
Nada de primeiros instrumentos de corte, nada de derrubar árvores com machadinhas afiadas. Afiação? Nem pensar. Como seria a agricultura sem o arado? As fortificações, muros e pontes sem elas? Lembro das estradas romanas, tão importantes para a ampliação e domínio de seu império. Estradas pavimentadas com pedregulhos que fariam nosso prefeito corar de vergonha… mas nunca ouvi dizer que os Cezares se queixassem. Deviam se orgulhar, isso sim.
E de onde veio esse pesadelo? Foi quando vi, com pesar, operários cobrindo as pedras de minha rua com retalhos de asfalto. Só vendo, a rua ficou como se fosse uma colcha de retalhos da pior qualidade. Não dá para chamar de patchwork. Feia mesmo. O que me chocou é que não vi sinal de tristeza entre vizinhos. Poucos se dignavam a parar e olhar cena tão deprimente. Não posso assegurar, mas acho que vi olhares satisfeitos e ouvi algo como “finalmente meu carro não vai trepidar”.
Para os que estão me achando radical, confesso que tenho um encanto especial pelas ruas de pedra. Nem vou falar da sua solidez, da permeabilidade, da não utilização do petróleo, de suas qualidades ambientais e ecológicas. Não, quero falar de estética. Essa coisa tão importante que é usada para nos distinguir dos outros seres vivos da natureza até mesmo antes da invenção da escrita, da ciência e outras coisas que aprendemos a fazer.
O meu encanto vem de que as ruas de pedra nunca são iguais. São um produto artesanal, pedra por pedra é escolhida para cada lugar. E, sabemos, enquanto as mãos trabalham a cabeça pensa e inventa. Começa pela escolha da pedra: regular ou irregular? Pela maneira de dispô-las, com desenho ou sem desenho? E por aí vai a imaginação de quem tem que pavimentar. Cada rua, uma rua. Hoje, o asfalto é de um igualitarismo irritante. Todas as ruas passaram a ser a mesma rua.
Em Porto Alegre, tínhamos ruas com duas cores formando desenhos geométricos, como ainda se pode ver na rua dos Andradas. Avenidas de muito tráfego, depois de um tempo, passavam a ter suas pedras polidas. Sim, um encanto a mais nos dias de chuva. Mas vejam só, os motoristas não podiam correr, tinham que dirigir com cuidado quando estavam molhadas!
A rua Guararapes, no bairro Petrópolis, que eu me lembro, e muitas outras que não lembro, era dividida em duas faixas para organizar o trânsito. De um lado cinza, de outro rosa. Não é genial? Acho que a prefeitura não achava. Cada vez que faziam um reparo ali, misturavam tudo. Depois, mandavam a turma deitar retalhos asfálticos aqui e ali. Por favor, não passem por lá para ver. É de chorar de tristeza.
Não sei se Porto Alegre tinha uma rua assim, mas em Paris, em muitas delas, organizavam as pedras em semicírculos. A rua fica parecendo florida, em eterna primavera. E tínhamos as que misturavam pedras regulares com irregulares, num ótimo efeito. Vejam só quanta coisa se podia fazer em uma pavimentação. Fico pensando o que não faríamos hoje com o desenvolvimento dessa arte com a tecnologia de que dispomos. Que maravilha podiam ser nossas ruas. Mas não, o simplismo ainda é marca de nossa época.
O modernismo nos fez, durante os anos 1970, nos envergonharmos de nossas fachadas com decoração eclética, antigas. Todas passaram a ser recobertas com alumínio, dito modernizante. Um horror. Mas esse tempo passou. Fico me perguntando: será que chegará o dia de redescobrir as vantagens e beleza das ruas de pedra? Pode ser, mas vai demorar. Por enquanto, vamos ter que aguentar por um bom tempo esse ufanismo retrógado de esconder preciosidades embaixo do tapete.