Não é fácil mudar nossos hábitos, principalmente aqueles que adquirimos com o reforço da cultura. Nesse sentido, minha consciência foi mais uma vez “sacudida”, quando li aqui na Sler o artigo Morrer pela boca?, do Marco Moraes. A chamada do texto é instigante: “Estudos mostram que a mudança de uma alimentação baseada em carne para uma baseada em plantas pode reduzir pela metade a emissão de gases de efeito estufa”. É curioso pensar no poder que certos textos têm de nos influenciar. Mas sabemos que, além de boa escrita e de bons argumentos, o leitor precisa estar predisposto para acolher essa influência. Para mim, o trauma que passamos com a enchente de maio ressignificou algumas percepções sobre a necessidade de mudanças e uma readaptação à realidade em que vivemos.
Pouco depois de ler esse texto, assisti, aqui em Porto Alegre, à palestra do cientista Carlos Nobre. Com uma explanação didática e bem fundamentada, ele trouxe muitos dados que alertam sobre a emergência climática. Assim como na palestra, em uma entrevista em que Carlos Nobre concedeu à Agência Brasil, ele aborda as possibilidades de reversão do aquecimento global e fala sobre a questão do metano, como abaixo transcrevo:
“…Reduzir as emissões de metano seria muito importante, porque o metano é muito poderoso. O metano que tem na atmosfera responde por cerca de 0,5 °C do aquecimento. Então, é muito importante reduzir o metano, porque podemos fazer a temperatura não subir mais e talvez até reduzir, mas é um enorme desafio. Uma grande parte da emissão de metano vem da agricultura e principalmente da pecuária. O boi tem a fermentação entérica, que é a fermentação da grama que ele come e que produz metano. Uma série de outras atividades também produz metano. Ele compõe grande parte do gás natural e na produção, muitas vezes, ele vaza para a atmosfera.”
Mais uma vez, me senti confrontada com o hábito gaúcho de comer muita carne. Mais do que isso, percebi que, independente da necessidade de políticas públicas e de mudanças nos sistemas de produção, a contribuição individual é fundamental no enfrentamento dos desafios que as mudanças climáticas nos apresentam. No caso, a redução do gás metano na natureza depende muito da tomada de consciência individual. É necessário que, pelo menos, se diminua o consumo de carne, principalmente a de origem bovina.
Comer menos carne, eliminar os alimentos ultraprocessados, preferir vegetais e frutas sem agrotóxico e diminuir o uso de plástico, entre outras mudanças de hábitos, são cuidados com a saúde humana e do planeta que dependem muito da vontade e implicação individual. É claro que as facilidades da vida cheia de embalagens, a satisfação rápida dos ultraprocessados e a correria do dia a dia dificultam essas mudanças. Ter uma alimentação saudável exige muita dedicação, persistência e esforço de cada um.
Lembro dos tempos em que eu frequentava o restaurante da Associação Macrobiótica de Porto Alegre. Foi nos anos 80, quando eu comecei a me interessar pelo assunto. Até hoje, guardo como memória afetiva dessas experiências o cheiro que tinha no ambiente; era uma mistura de erva-doce e de pão integral saindo do forno. Além disso, a sopa de legumes era maravilhosa e tinha amigos que curavam a ressaca com ela.
O restaurante da Macrobiótica, como chamávamos, era um local onde a gente se sentia quase num mundo paralelo, pois aconselhavam que se comesse em total silêncio e mastigasse pelo menos 50 vezes cada garfada. Na época, cheguei a ler um pouco sobre o assunto. O comprometimento pessoal necessário com a macrobiótica é muito grande. Não cheguei a aderir, nem à filosofia, nem ao regime, mas incorporei alguns conceitos sobre alimentação saudável que permanecem até hoje nos meus hábitos.
Mas a luta continua… É bem difícil resistir aos convites para comer um churrasco, por exemplo. Afinal, é um momento de confraternização, cheio de boas memórias e bons encontros. Felizmente, percebo que, na hora da compra, a quantidade de carne para cada pessoa já diminuiu do famoso meio quilo. Além disto, entre outras novidades, o espetinho de vegetais já compete com o salsichão e o coração de galinha.
As mudanças individuais são possíveis e graduais. Pena que levam um tempo que o planeta já não pode mais esperar.
Jussara Kircher Lima é psicóloga. Após se aposentar do serviço público, tem se dedicado à escrita, em especial nos seus principais temas de interesse: literatura, psicologia e políticas públicas. E-mail: jussaraklima@gmail
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