Estava com a coluna desta quinta-feira praticamente pronta quando, ao dar aquele tempo para o texto descansar antes de enviar para o editor, resolvi me atualizar sobre as notícias do mundo. E não deu para deixar de falar sobre a enchente desta semana no Rio Grande do Sul. Alerto desde já que não escrevo algo propositivo. Eu não tenho o que propor. Este é um texto inquiridor: como podemos vencer a sensação de impotência que nos domina diante das notícias?
Perplexa com as imagens assustadoras, não tenho ideia de como ser minimamente útil, além de tentar ajudar momentaneamente as vítimas, mesmo que à distância. Por mais generoso que seja, o envio de uma doação é insuficiente para apaziguar a parte de mim que sabe que amanhã poderei ser eu ou pessoas que me são queridas a enfrentar situação parecida. Ou a parte que sabe que, em um mês, a pessoa que apareceu na reportagem da TV com lágrimas nos olhos dizendo que perdeu tudo o que tinha estará sozinha, longe da atenção das câmeras, enfrentando uma difícil reconstrução – e os traumas resultantes do ocorrido.
O texto que este substitui tratava da importância das memórias da primeira infância na qualidade emocional da nossa vida adulta. Agora, reflito sobre de que forma essas calamidades climáticas cada vez mais comuns afetarão o desenvolvimento de milhares de crianças no Brasil e no mundo? Na minha infância, nos anos 1980 e 1990, deslizamentos, enchentes, enxurradas eram coisas que aconteciam com muito menos frequência do que hoje. Mais do que isso, elas aconteciam com “outras pessoas”, instaladas de maneira precária em locais pouco recomendáveis, como encostas de morros, muito perto das margens dos rios. (Aliás, abro um parêntese para questionar: quanto vai demorar para o excesso de construções próximas das águas do Guaíba, em Porto Alegre, cobrar seu preço?)
A distância do problema fez com que a elite econômica se tornasse insensível a ele. Porém, já passou há muito tempo da hora de abrir os olhos para o que está escancarado diante de nós. Nos últimos anos, nem os privilegiados estão escapando das garras dos efeitos perversos das loucuras do clima. E embora a maioria de nós fale (e poste) sobre o “aquecimento global” e a “crise climática”, a verdade é que sabemos muito pouco a respeito. E, aqui faço um mea-culpa, não é por falta de conteúdo de qualidade disponível que tanta gente ainda não entendeu que situações como a que os gaúchos estamos enfrentando agora se repetirá com cada vez maior frequência.
Para o jornalista Alexandre de Santi, editor de assuntos em inglês sobre o Brasil na agência internacional especializada em notícias ambientais Mongabay, a grande mídia dá bastante destaque para pautas de emergência climática e meio ambiente. O que ocorre é que esse é um assunto indigesto. “As pessoas realmente não querem escutar. Mas é um assunto que as pessoas que querem escutar já escutaram – e quem não quer ouvir não vai ouvir. É uma loucura cognitiva global esse não ser o grande assunto. É um problema pra psicologia social se debruçar.”
Discordar, quem há de? Eu mesma, apenas recentemente (e de maneira reticente) tenho tentado me inteirar mais sobre a evolução da situação e, mais do que tudo, de que forma podemos atuar de verdade. Porque está claro que atitudes individuais como separar lixo reciclável do orgânico, usar menos combustíveis fósseis, fazer menos viagens de avião, consumir menos, alimentar-se de maneira mais consciente são fundamentais, mas não farão a diferença no quadro geral. Infelizmente, quem pode de fato mudar alguma coisa, parece se contentar em fazer uma doação polpuda para alguma entidade de auxílio a vítimas, criar um setor de ESG na própria empresa (que muitas vezes pensa mais em um storytelling bacana do que em ações efetivas), construir um bunker para se refugiar com a família e meia dúzia de eleitos no deserto quando nada mais tiver solução.
Será que isso basta? Volto agora para a questão lá do começo: o que devemos fazer para enfrentar a sensação de impotência diante de eventos como o que assolou o Rio Grande do Sul nesta semana? Da minha parte, vou tentar tirar a cabeça do buraco e começar a pensar mais sobre o assunto, mesmo que me doa. Movimento que gente corajosa como a colega de Sler Silvia Marcuzzo já fez há bastante tempo. Porque a realidade é que não há mais como ignorar. O problema é grande e está vindo para cima de nós como uma enxurrada.
Foto da Capa: Agência Brasil / Exército Brasileiro