Para se defender de uma lei do capitalismo, a da taxa de lucro decrescente, a indústria imobiliária recorre à concentração de capital em empreendimentos gigantescos.
Na coluna anterior lancei a pergunta “Verticalidade para quê?”. Se consegui demonstrar que não é para racionalizar a ocupação do solo ou para satisfazer o cidadão que vai ter um céu cada vez menor e vai viver sob uma sombra cada vez maior, não cheguei a responder por que há esse empenho tão grande por parte do prefeito e empresários em construir gigantescos edifícios numa cidade que o Censo aponta estar com população em decréscimo.
Vimos que a motivação não tem razão urbanística que a sustente apesar dos esforços que esses personagens fazem em apresentar teorias sobre a importância da densificação para a cidade. Façam o que fizerem a densidade inexoravelmente vai diminuir nos próximos anos. A realidade dos fatos os contradiz. A resposta, na verdade, é mais mundana, ela está na contabilidade das empresas do mercado imobiliário. Essa é a razão.
Todo capitalista sabe, desde Marx, que a taxa de lucro tende a diminuir à medida que a empresa cresce. Quanto maior a empresa, menor a taxa de lucro em cada giro do capital. Para compensar isso, ela deve crescer sem parar, ganhando em termos absolutos o que perde em percentual.
É fácil de entender. Se eu sozinho monto uma empresa, compro um terreno e construo uma casa para vender, posso chegar a um lucro percentual sobre o capital investido incrivelmente alto dependendo das minhas habilidades. À medida que meu entusiasmo com o negócio cresce e eu passo a financiar equipamentos, contratar funcionários administrativos para o controle do negócio que se multiplica, logo vou descobrir que a folha de pagamento, impostos, e outros compromissos têm um custo cada vez maior e que vai ser subtraído na hora de contabilizar os lucros. Eles vão cair.
A cada nova rodada, querendo ser maior, vejo que o lucro, percentualmente ao capital investido, vai perdendo fôlego. O lado bom dessa história, é que, em termos absolutos, as cifras, do lucro, são cada vez maiores. Mesmo tendo que separar uma boa parte para novos investimentos, o que sobra é significativamente maior que aquele ganho inicial. E ainda tem o gozo de ser dono de um patrimônio que não para de crescer. Então é vantajoso ver a roda não parar de girar.
Claro que, para não quebrarem, as empresas precisam ser cuidadosas em seus investimentos. Precisam maximizar o lucro decrescente. Isso se faz ganhando em escala, concentrando o capital em empreendimentos cada vez maiores como forma de otimizar sua estrutura, fazê-la render ao máximo no uso da mão-de-obra e equipamentos.
Também se sabe que na lógica do capitalismo, a empresa precisa crescer sempre ou vai ser ultrapassada pela concorrência, independentemente da vontade de seu dono. São as leis da concorrência, do mercado. Elas sabem que se refrearem seus negócios, se sonharem em voltar para uma faixa anterior, a concorrência vai matá-las. Às vezes se unem, o que é proibido, para formar oligopólios. Aí a vida corre fácil para todas elas enquanto a lei não chega. Quando ainda controlam a política, encontram o paraíso. É onde estão, agora, em Porto Alegre.
Até aqui isso seria da ordem das finanças das empresas, do negócio delas. O problema, para nós, começa quando elas querem nos transformar em sócios dessa aventura. Quando começam a nos dizer o que é melhor para as nossas vidas. Quando precisam que aceitemos sua condição de empresas de capital e começam a fazer pressão para que o poder público discipline o mercado de acordo com suas conveniências. A moeda de troca oferecida é o enriquecimento da cidade, a geração de emprego, o que não se sustenta na prática. Basta analisar os índices de concentração de riqueza das últimas décadas para ver isso.
Não custa ressalvar que empresas de construção civil, que fazem estradas, hospitais e um sem fim de obras por demanda, inclusive imobiliárias, não são as que estou tratando aqui. Essas se diferenciam da indústria imobiliária, que, como toda indústria, cria produtos para vender no mercado. E, como toda indústria, precisa criar seu próprio mercado através da manipulação dos desejos do consumidor. Falo dessas empresas, na verdade incorporadoras, e não das empresas de construção civil, que prestam serviços relevantes quando bem demandadas.
Em outra coluna lembrei que Porto Alegre já foi um paraíso para pequenas e médias empresas na década de 1980 quando o Plano Diretor era restritivo o suficiente para afastar as grandes empresas de construção. Aliás, onde estão essas empresas agora? Sei que algumas até se juntaram para se igualarem às grandes, mas a maioria nem assim conseguiu se manter e desapareceram. É importante se dar conta que se houver demanda real por novas construções, elas acabarão sendo construídas. As maneiras para se atingir tal objetivo podem variar, algumas favorecem a cidade e a economia como um todo, outras não.
Um caminho para pensar em emprego e distribuição de renda no setor imobiliário não passa pela verticalização, pela concentração de capital em poucos empreendimentos na cidade. Ao contrário, empresas pequenas e médias empregam muito mais, pois não conseguem substituir sua mão-de-obra por tecnologia de alto custo.
As empresas reveladas pela reportagem “Os Donos da Cidade” no Sul21 estão na fase de grande demais para investirem em pequenos empreendimentos. Não sobreviveriam pulverizando seu capital em empreendimentos pequenos ou médios, precisam se concentrar em incorporações cada vez maiores para continuarem a poder remunerar seu capital que já nem é só seu, vem de fundos imobiliários. São operações financeiras de grande monta.
Se administrar uma cidade fosse um problema econômico e o prefeito fosse uma espécie de ministro da economia, ainda assim vimos que ele não estaria fazendo um bom trabalho, pois seria mais salutar se ele tivesse uma visão voltada para pequenas e médias empresas. Administrar uma cidade é muito mais do que se preocupar com a remuneração da indústria imobiliária. É cuidar da qualidade de vida de seus cidadãos em primeiro lugar. A maioria dos urbanistas contemporâneos concorda que a construção dessas ilhas gigantescas não tornam a cidade melhor. O que o prefeito está fazendo vai contra todas as teorias do urbanismo do século XXI. Cidades do mundo todo estão fazendo reformas para deixá-las nucleadas em setores que gozam de autonomia de serviços de educação, saúde, comércio, moradias, cultura e lazer. Estão derrubando viadutos, arrancando asfalto, destapando arroios, alargando passeios, plantando muito verde e transformando as ruas em lugar de ficar em vez de passar.
As teorias contemporâneas vão ao encontro da geração de empregos e riqueza de forma muito mais salutar do que o neoliberalismo pode produzir. Mas como hoje em dia pouco importa a coerência dos discursos – a verdade é criada na quantidade de likes das redes sociais –, o prefeito Melo até pode seguir propagando o contrário do que faz. Enquanto fala em qualidade de vida, vai destruindo o que fez de Porto Alegre ser Porto Alegre. Até quando?