O que Porto Alegre representa pra mim? O que a cidade ajuda ou atrapalha nos processos que fazem eu ser quem sou? Estas duas indagações me movem ao refletir como sinto Porto Alegre, que experiências esta cidade me comunica, sobretudo quando a penso em conversa com três situações particulares.
A primeira situação foi morar fora de Porto Alegre. Morei por três anos em Passo Fundo, interior do estado do Rio Grande do Sul. E estar longe daqui, do que me era familiar (pessoas e lugares) foi difícil. Difícil porque por meio da cidade, seus fluxos, estabelecemos rotinas que mantêm de pé a estrutura das nossas relações, do se reconhecer como pertencente a um lugar, viver o hoje e projetar o futuro.
Já observou aquele relatório que o Google envia sobre os pontos em que você esteve no mês? Além de evidenciar onde você dispõe a vida, o percurso na cidade mostra para onde você leva seus afetos, seu olhar. Aqui recordo de uma ligação que recebi quando trabalhava na Ouvidoria-Geral do Município (OGM). Do outro lado da linha, uma senhora que morava na Lomba do Pinheiro solicitava a troca de uma lâmpada num poste do Bairro Bomfim. Confidenciou-me que passava todos os dias por ali em direção ao trabalho e a ausência da luz naquele poste, por mais que objetivamente não a prejudicasse, a incomodava. Hoje a entendo perfeitamente, nossos caminhos têm a nossa cidadania e, assim, nesse processo dialógico, nos constituímos como parte da cidade e a cuidamos como extensão de nós. É real: quanto mais valorizados pela cidade, mais forte o sentimento de pertencimento e as nossas ações de cuidado.
A segunda situação foi justamente trabalhar na Ouvidoria-Geral do Município de Porto Alegre. A OGM foi instituída em outubro de 2017. Ingressei nela em fevereiro de 2019. Naquele momento, o órgão ainda estava se estruturando: utilizava-se planilhas de Excel para controlar milhares de protocolos, dezenas de e-mails com demandas aos órgãos públicos e inúmeras ligações diárias para se comunicar com a população. Depois houve período de mudanças, estabelecimento do sistema me-Ouv (sistema de atendimento), recomposição da força de trabalho, destinação de espaço físico mais adequado, constituição da Corregedoria-Geral do Município, emergência da evolução do 156+POA entre outras ações promovidas pela Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria (SMTC) para qualificar o atendimento aos cidadãos.
Na OGM, meu aprendizado foi no sentido de trazer à consciência a certeza de que o descuido com os processos da cidade, tanto pelos cidadãos quanto pelas instituições, pode gerar uma cidade que não promove seus cidadãos. Uma cidade que se entrega à degradação e ao abandono dos espaços públicos, à violência, à arquitetura hostil, ao distanciamento de ações produtivas para o encontro, para o bem viver. Uma cidade que diz não. Cidade-interdição de futuros e do desejo de reconhecer-se no cotidiano das coisas concretas e subjetivas. Cidade-entrave à consolidação de patrimônio afetivo, ao saudável desenvolvimento do sentimento de cuidado com o bem público com/entre os cidadãos.
A terceira situação foi integrar o Movimento Porto Alegre Cidade Educadora. Porto Alegre foi a primeira Cidade Educadora do Brasil. A primeira cidade que toma a decisão de aderir à Associação Internacional de Cidades Educadoras, comprometendo-se com a produção de processos educativos que transcendam as paredes das escolas e modifiquem o território como um todo. Mudança que deve estar alicerçada em políticas públicas que consolidem a educação para a cidadania, a inovação social, a sustentabilidade, a mobilidade humana, a construção coletiva da cidade como espaço seguro de respeito pela vida, autonomia, participação e diversidade dos seus cidadãos.
Neste caminho de compreensão do que a Carta de Princípios das Cidades Educadoras nos exige, sobretudo os princípios “Política Educativa Ampla”, “Governança e Participação dos cidadãos” e “Educação para uma cidadania democrática e global”, estamos, ao fim, trabalhando a experiência da cidade. As ações educativas de que participei nestes últimos anos foram no sentido de reduzir o esgotamento das trocas humanas, ampliar as possibilidades de se pensar a cidade como bem realmente comum. Também no sentido de reforçar o sentimento de pertencimento, lealdade, dos cidadãos, da sociedade civil organizada, das instituições de ensino, das empresas e das instituições públicas com a cidade.
Esse texto não está pronto, no entanto, a motivação de publicar esta pequena versão nasceu no dia 25 de março de 2024, véspera do aniversário de 252 anos de Porto Alegre. Dia em que, durante toda a manhã, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e Secretaria Municipal de Educação (SMED) promoveram evento sobre O Papel do Educador na Educação para Mobilidade. Neste contexto, assinou-se o termo de cooperação para que a conscientização sobre mobilidade e preservação de vidas no trânsito cheguem com maior força nas escolas municipais.
Na tarde deste mesmo dia, por ação do Grupo de Trabalho Culturas e Identidades do Movimento Porto Alegre Cidade Educadora, SMTC, PANDA FILMES, Secretaria Municipal da Cultura e Economia Criativa e SMED, na Cinemateca Capitólio, houve o lançamento do documentário VIDAS EM POA.
VIDAS EM POA é um mosaico humano que contempla memórias de nove cidadãos porto-alegrenses. Na tela, Porto Alegre é periferia, centro, parada livre, feira do livro, saudade. Porto Alegre é cidade-boemia, pagode imaginário, tambor sempre chamando de volta quem se sente fora de tudo. Porto Alegre é promessa de padre, futebol, lenda urbana, loucura do bem. Porto Alegre é cidade de luta, grande e pequena e audaciosa metrópole.
Na plateia também composta por adolescentes do Instituto Ascendendo Mentes, Porto Alegre é desejo de cidade plataforma de aprendizagem e promoção de futuros, novas histórias de vida. Durante a apresentação do documentário, os afetos geraram risos, olhos brilhantes e também silêncios necessários à reflexão sobre o que a cidade é para cada um e pode ainda vir a ser para todos.
Porto Alegre Cidade Educadora já foi entendida como projeto, hoje reveste-se de movimento. Movimento complexo, heterogêneo e constante na busca de saudável experiência de cidade que auxilie no desenvolvimento das pessoas e na desconstituição – em nós e entre nós – do racismo estrutural, dos jogos de poder e dos seus pseudo-progressos.
Veja o documentário VIDAS EM POA no YouTube da SMTC.
*Marcos Caetano Corrêa nasceu em Porto Alegre/RS, em 12 de julho de 1982. É Escritor, Servidor público municipal, Coordenador Técnico do Movimento Porto Alegre Cidade Educadora e Mestrando em Design Estratégico (UNISINOS). É filho de Virginia e Armindo, pai da Safira e dindo do Guga, da Sarah e do Ique. Cresceu correndo com os seis irmãos pelas lombas da Vila Vargas, periferia de Porto Alegre. É uma pessoa em busca da própria voz, do seu lugar na luta que cabe a cada um diante da página em branco, da realidade e de si.
Foto da Capa: Diego Lopes