A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) considera a violência patrimonial como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher e a define como “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
Esse tipo de violência, embora muito comum em nosso cotidiano, era pouco discutida por uma grande parcela de brasileiros. Todavia, no Brasil, no ano passado, vários casos envolvendo nomes da música, do esporte, da TV, entre outros, trouxeram visibilidade para a violência patrimonial fazendo com que essa terminologia jurídica passasse a ser comentada pela imprensa e por um número maior de pessoas. Até então, é como se essa violência fosse algo invisível e de pouca importância.
Esse tipo de violência às vezes é silenciosa, dissimulada, outras vezes salta aos olhos, é escancarada, escandalosa, mas quase sempre é traumática e causa sofrimento às suas vítimas. Ela é um meio de controle, infelizmente em muitos casos percebida tarde demais. Com muita frequência as vítimas desse tipo de violência só percebem o que está acontecendo quando já estão muito fragilizadas, quebradas financeiramente, com muitas dificuldades econômicas e psicológicas. Para piorar, raramente recebem ajuda dos seus familiares e amigos, acabam sucumbindo, perdendo quase tudo, sobrando-lhes muito pouca autoestima e força para recomeçar.
Imagine, por exemplo, uma mulher ver ou perceber que seu marido, irmão ou pais, furtaram seus bens, venderam seus imóveis, se apropriaram de suas poupanças ou investimentos, destruíram seus objetos e instrumentos de trabalho, retiveram seus documentos, seus diplomas, cartões de crédito, limparam suas contas bancárias, conseguiram alterar suas senhas bancárias, pediram a partilha de bens que sabem jamais terem concorrido para as suas aquisições, tomaram a chave dos seus carros, jogaram fora suas recordações de família, suas fotos, presentes dos seus familiares, simplesmente para agredi-las ou buscarem ainda mais ganhos patrimoniais em cima de quem um dia juraram amar e respeitar.
Em alguns casos os sujeitos ativos dessa violência são tão sem escrúpulos e desprovidos de honra que cometem falsificações de documentos para se apropriarem dos bens das vítimas, se tornam seus procuradores para vender suas heranças e para “meter a mão” nesses recursos, as colocam como garantidoras de seus débitos. A lista de exemplos é imensa, e os golpes praticados às vezes são muito bem preparados, e ainda que os familiares e amigos as avisem, elas estão tão envolvidas com seus algozes, que não acreditam no que está acontecendo.
A dependência financeira é um outro grande fator que prejudica que as vítimas se defendam desse tipo de agressão, já que a falta de recursos econômicos para viverem de forma digna as aprisiona em um ciclo de submissão e medo.
Uma outra forma de violência patrimonial é o estelionato afetivo, em que as pessoas, principalmente as mulheres, iludidas por estarem vivendo um grande amor, entregam seus pertences, fazem transferências bancárias ou de bens, e somente depois descobrem que foram vítimas de um estelionato.
Essas pessoas, ao invés de ficaram com vergonha, constrangidas e humilhadas, devem ir à luta e tentar recuperar os seus bens, a dignidade ferida, e não menos importante colocar esse tipo de escória no seu devido lugar. Um bom começo é registrar a ocorrência policial na delegacia da mulher. Fazer que os homens respondam criminalmente pelos crimes que tiverem praticados, e buscar indenizações, anulações de negócios, devolução de bens, por exemplo. Isso nem sempre é possível, nossas leis são ainda muito benéficas aos homens, especialmente no aspecto criminal.
A Lei Maria da Penha estabelece as seguintes medidas protetivas para as vítimas de violência patrimonial:
“I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida”.
Infelizmente, o acesso a bons advogados às vezes custa caro, muitas não têm condições de pagar, e acabam se conformando com as perdas. Além disso, o nosso judiciário, não raro, leva décadas para ter um julgamento com trânsito em julgado, ou seja, com sentença definitiva que não possa mais ser objeto de recurso, o que desamina muita gente a lutar pelos seus direitos.
Como se não bastasse o nosso Código Penal têm algumas estipulações bem machistas e incompatíveis com o respeito a dignidade das mulheres, que atrapalham muito a penalização dos homens pelos crimes perpetrados contra suas mulheres, companheiras e familiares. Dentre elas, ressalto os artigos 181 e 182 do Código Penal, que estimulam indiretamente a desigualdade de gênero e violência patrimonial contra as mulheres, pois facilitam que os homens saiam ilesos. Veja-se o disposto nos artigos acima referidos, com relação aos crimes contra o patrimônio previstos no Código Penal:
“Art. 181 – É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:
I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
Art. 182 – Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:
I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II – de irmão, legítimo ou ilegítimo;
III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.”
Como se vê, mesmo com a Lei Maria da Penha estando prestes a completar 18 anos, nosso legislador e o Superior Tribunal de Justiça continuam a permitir que esses dispositivos que isentam de pena alguns crimes que caracterizam violência patrimonial ou dificultam a punição dos criminosos continuem a vigorar.
Dessa forma, reconhecer os sinais da violência patrimonial é o primeiro passo para sua prevenção. Faz-se necessário que as mulheres construam uma Resiliência Financeira através da educação financeira. Educar-se sobre seus direitos e as leis que protegem contra violência patrimonial é crucial. Buscar a independência financeira através de renda própria e/ou reservar uma quantia para as despesas pessoais ajuda a evitar a completa dependência do agressor. Manter documentos pessoais, contratos, transações financeiras, registros de bens e propriedades em seu nome ajuda a evitar manipulações e também ocultação de patrimônio. Manter a rede de contato com amigos, familiares, além de trocar experiências, fornece suporte emocional e pode ajudar a identificar os sinais de abuso e tomar as medidas proativas para proteger seus direitos e manter sua segurança física, emocional e patrimonial. Outrossim, um bom contrato de união estável e consultas preventivas com um advogado poderão fazer toda a diferença, em muitos casos.
Se lhe interessa saber um pouco mais sobre o assunto “violência contra mulher”, vale ler o meu artigo publicado aqui na Sler, em 25 de setembro de 2023.
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