A cada partida de uma amiga querida, fico pensando no tempo que tivemos e teremos pela frente. Os ponteiros do relógio nos engolem e a dinâmica dos dias vai nos consumindo sem que percebamos o quanto a velocidade dos acontecimentos vai nos atropelando.
A doce Cristiane Löff nos deixou de forma abrupta. Pelo menos pra mim, que fiquei sabendo da sua passagem por um amigo que printou uma postagem de uma rede social. Mais uma vítima daquela doença maldita que vem carcomendo a contemporaneidade: o câncer. E aí, mais uma vez, aquela sensação de vazio no peito me invade. Puxa, não disse tudo que queria para ela. Podíamos ter feito mais coisas juntas. Que sentimento desconcertante é perceber o quanto o viver o aqui e o agora deve imperar em todas instâncias da vida.
Esses dias encontrei uma amiga que também foi obrigada a sair correndo de casa devido à enchente. Moradora do Menino Deus, a Ana Paz está ainda abalada com tudo que vivenciamos. Quer se mudar para um lugar mais longe da zona de alagamento. Confessou pra mim que depois desse episódio se desfez de boa parte das roupas, enfeites, supérfluos.
Ou seja, a impermanência sentida na pele é algo que mexe e remexe dentro de nós. E aí eu fico me lembrando das tantas fases que tive da vida nas quais os planos, as aspirações por novos horizontes eram recheados de acontecimentos que inspiravam por dias melhores. Desde o Plano Cruzado, na minha adolescência, onde se respirava a cidadania dos “fiscais do Sarney”, até o um dólar igual a um real, que permitiu que eu viajasse de mochila pela Europa. Ah, mas o melhor mesmo foi ter feito tanta coisa acontecer durante a gestão do governo Olívio Dutra na Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Que tempo bom! Até hoje ouço que foi a melhor gestão da história do RS.
Tive privilégios de ter nascido em uma cidade do interior, em um período onde as famílias eram grandes. Passávamos o dia na rua, subindo em árvores, comendo frutas no pé, brincando sem medo de assaltos. As casas mal tinham muros, muito menos cercas. E a gurizada se esbaldava até altas horas da noite brincando de se esconder. Caçar vaga-lumes nos terrenos baldios, andar entre as sangas que depois foram canalizadas estavam entre minhas aventuras favoritas. Ah, por incrível que pareça, eu tenho a boa recordação de vivenciar as quatro estações bem definidas também.
Hoje, a infância e a juventude estão permeadas de medos de todos os tipos. E o tempo as consome diante de telas. Vai ter vendaval? Vai chover muito forte? Será que vai faltar luz? Os pais tem receio da própria sombra. E os filhos cada vez mais protegidos, menos preparados para serem independentes. Só o passar dos anos dirá quais serão os impactos dessas experiências.
A vida adulta de hoje exige uma lucidez com gosto amargo. Estar envolvida com os cuidados dos mais velhos é um dos aprendizados que chegam para sacolejar aquelas inseguranças que empurramos para baixo do tapete ao longo da existência. E ter filho adolescente circulando em ambientes onde há vapes, kits (a mistura de energético com vodka), ectasy, boa noite cinderela, roubos de celular, entre outras ameaças, requer coragem, fé e confiança. É importante fazer o possível para que ele faça as melhores escolhas na vida.
Mas, o pior mesmo de tudo isso, para mim nesse momento da história, é constatar que apesar de tudo que passamos, de tantas fases que superamos, a civilização está dando de ré em avanços significativos, conquistados a duras penas. E isso em plena era do Antropoceno! O que significa para a humanidade a extrema direita dar passos largos em direção ao poder? Os negacionistas ignorando a Ciência? Como alimentar a esperança quando o mundo é regido por bilionários da indústria do petróleo e pelos donos de bigtechs que não tem qualquer interesse em regulamentar a internet?
Pouco tempo atrás, jamais imaginaríamos que o mundo teria esse movimento. Todas as ferramentas e estratégias comunicacionais – influencers, pagamentos para impulsionar publicações mentirosas, entre outros algoritmos inflados por muita grana – são usadas para disseminar práticas nada saudáveis por quem manipula corações e mentes. Usam e abusam de greenwhasing e desinformação.
Diante disso, o que temos controle? Saber escolher. Tudo. De escova de dente à comida. Do destino turístico até a leitura e o papel higiênico. Leia rótulos, saiba a composição do que está consumindo. Nossas escolhas de vida podem alimentar quem está erguendo tijolo a tijolo essa configuração.
Precisamos saber apreciar, o viver o momento presente, celebrar as coisas boas, as amizades e consagrar a natureza, o Deus ou as Deusas, que estão vivas perto de nós. E pensar que na minha adolescência, eu achava o máximo um blusão que herdei da minha irmã, onde estava estampada a marca do cigarro Hollywood. Já disse o Quintana: quando dês opinião, nunca esqueça de colocar a data. Eles passarão, eu passarinho (esse acho que já usei por aqui)…
Foto da Capa: Banco de Imagens
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