Conviver em grupo nem sempre é fácil. Um bom exemplo disso é viver em condomínios. Cada dia maiores, geram um número grande de vizinhos e, até mesmo nos mais sofisticados, encontramos pessoas que, por seu comportamento antissocial, acabam se tornando uma dor de cabeça para toda vizinhança, pois reiteradamente fazem escândalos, gritam com as pessoas costumeiramente, partem para a agressão física ou moral dos demais moradores ou frequentadores do condomínio, causam danos aos vizinhos ou ao condomínio, humilham os funcionários, não deixam os prestadores de serviços cumprirem com os seus serviços, cometem os crimes de calúnia, injúria, difamação ou ameaça contra as demais pessoas que moram ou frequentam o condomínio, cometem atos indecorosos, usam o condomínio para atividades ilícitas, com frequência costumam dar festas que não deixam os demais moradores dormirem etc. Obviamente, as hipóteses mencionadas são meramente exemplificativas. O número de condutas antissociais muda de caso para caso, e tem vizinho que é mestre na arte de incomodar e ofender terceiros de diversas maneiras. Mas o que fazer em uma situação dessas?
Em primeiro lugar, exercitar a paciência, tentar conversar calmamente com o vizinho, enviar-lhe notificações escritas relatando que tais fatos não podem ocorrer novamente, dando-lhe a chance de se explicar, aplicar as multas previstas na convenção do condomínio ou no código civil, dando-lhe a chance de se defender, mas se nada disto adiantar, começar a juntar provas que possam justificar uma futura ação para expulsão do condômino antissocial.
Apesar da alcunha “de vizinho antissocial”, ele não precisa ser necessariamente uma pessoa com transtorno da personalidade antissocial, também conhecido como sociopata, que para receber esse diagnóstico, de acordo com artigo publicado pelo Hospital Santa Mônica, de São Paulo, “precisa ter mais de 18 anos e se encaixar em, pelo menos, três dos seguintes critérios:
- incapacidade de adequação a normas sociais;
- impulsividade ou incapacidade de seguir planos;
- agressividade e irritabilidade;
- enganar, mentir e ludibriar outros com objetivo de ganhos pessoais;
- ser irresponsável com a segurança própria ou de outros;
- ausência de remorso e
- incapacidade de se manter em empregos e de honrar compromissos financeiros.”
O que vai definir sua conduta como antissocial é a incapacidade de continuar a viver no mesmo condomínio, em razão de seus atos antissociais que perturbam o sossego, a saúde e a segurança dos moradores do condomínio.
Embora não exista a previsão da ação de expulsão de condômino ou possuidor por atos antissociais, em lei, esta ação vem sendo aceita pelos tribunais, com base nos Artigos 1.336, inciso V, e 1.337 do Código Civil, que servem como parâmetros, e determinam que:
Art. 1.336 – São deveres do condômino:
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
…
§ 2º O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
Art. 1337 – O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Parágrafo único – O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.
Como se vê, esses artigos estabelecem que se o condômino ou possuidor, reiteradamente, não cumprir com as suas obrigações legais, por deliberação de três quartos dos condomínios restantes, ele estará sujeito a multas, mas que se o condômino ou possuidor por seu comportamento antissocial reiterado, tornar incompatível o convívio com outros condôminos ou possuidores, ele poderá ser compelido a pagar multa correspondente a 10 vezes o valor do condomínio. E esses parâmetros, de acordo com o entendimento dos nossos tribunais, deve ser observado para o ajuizamento de uma ação de expulsão de condômino ou possuidor por atos antissociais.
Deste modo, também para o ajuizamento da ação de expulsão de condômino ou possuidor, recomenda-se uma assembleia prévia, respeitando esse quórum de três quartos dos condôminos para que ele possa ser expulso.
Havendo essa autorização, o sucesso da ação dependerá muito das provas a serem produzidas, por exemplo: ocorrências no livro de reclamações do condomínio, cópias das notificações enviadas, trocas de correspondências, juntada de cópias dos boletins de ocorrência por ventura realizados contra o vizinho cuja expulsão se requer, e também uma boa prova testemunhal.
Esta ação, por restringir o direito de propriedade de uma pessoa, não é nada fácil, mas os tribunais vêm aceitando e expulsando os vizinhos com conduta antissocial, desde que comprovada nos autos a autorização dos vizinhos. Além disso, vale destacar que no projeto do “novo código civil”, já consta a previsão do condômino com conduta antissocial.
Importantíssimo que, tanto para a aplicação das multas por conduta antissocial quanto para o ajuizamento de uma ação de expulsão do condômino antissocial, seja sempre dada ao condômino acusado de atos antissociais reiterados, a oportunidade de se defender, prestar esclarecimentos aos demais condôminos para que eles possam decidir na assembleia.
Assim, de acordo inclusive com posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é muito importante que o condômino ou possuidor antissocial, seja notificado previamente por escrito, para que a assembleia conheça a sua defesa e possa avaliar se é realmente o caso de aplicação das multas e de se ajuizar uma ação buscando a expulsão do condômino nocivo.
A este passo, transcrevo decisão do STJ, a respeito, que é uma grande balizadora do que deve ser observado quando para a aplicação de multas e para a expulsão do vizinho.
“A sanção prevista para o comportamento antissocial reiterado de condômino (art. 1.337, parágrafo único, do CC) não pode ser aplicada sem que antes lhe seja conferido o direito de defesa. De fato, o Código Civil – na linha de suas diretrizes da socialidade, cunho de humanização do direito e de vivência social, da eticidade, na busca de solução mais justa e equitativa, e da operabilidade, alcançando o direito em sua concretude – previu, no âmbito da função social da posse e da propriedade, no particular, a proteção da convivência coletiva na propriedade horizontal. Assim, os condôminos podem usar, fruir e livremente dispor das suas unidades habitacionais, assim como das áreas comuns (art. 1.335 do CC), desde que respeitem outros direitos e preceitos da legislação e da convenção condominial. Neste passo, o art. 1.337 do CC estabelece sancionamento para o condômino que reiteradamente venha a violar seus deveres para o condomínio, além de instituir, em seu parágrafo único, punição extrema àquele que reitera comportamento antissocial. A doutrina especializada reconhece a necessidade de garantir o contraditório ao condômino infrator, possibilitando, assim, o exercício de seu direito de defesa. A propósito, esta é a conclusão do enunciado 92 da I Jornada de Direito Civil do CJF: “Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa do condômino nocivo”. Por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que também deve incidir nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível a ampla defesa e o contraditório. Ressalte-se que a gravidade da punição do condômino antissocial, sem nenhuma garantia de ampla defesa, contraditório ou devido processo legal, na medida do possível, acaba por onerar consideravelmente o suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral, sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade. Por fim, convém esclarecer que a prévia notificação não visa conferir uma última chance ao condômino nocivo, facultando-lhe, mais uma vez, a possibilidade de mudança de seu comportamento nocivo. Em verdade a advertência é para que o condômino faltoso venha prestar esclarecimentos aos demais condôminos e, posteriormente, a assembleia possa decidir sobre o mérito da punição. REsp 1.365.279-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/8/2015, DJe 29/9/2015.”
Espero que este artigo possa lhes ser útil, pois esses tipos de problemas acontecem muito na vida contemporânea, em que as pessoas cada vez mais precisam dividir espaços comuns e morar em edifícios com muitos moradores, em razão da economia e da segurança que isso gera.
Foto da Capa: Freepik
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