Canso de ouvir de pessoas, de todas as idades, referirem que no seu tempo tal coisa era melhor. Eu sempre tive muita dificuldade em fazer recorte no meu tempo. Qual seria o meu tempo? Fica fácil quando você compara situação específicas, como o tempo da infância, o tempo de escola, o tempo de faculdade. Até aí, tudo certo.
Mas se eu imaginar que o meu tempo de adolescência pudesse ser melhor que o de um adolescente hoje, vejamos. Naquele meu tempo, todo adolescente sonhava em fazer 18 anos para se mandar de casa, um lugar opressor, cheio de regras rígidas. Hoje, eles sonham em não sair de casa. Transar com namoradas e namorados ainda era uma coisa cheia de tabu e culpa. Jamais teria a aprovação dos pais. Hoje, os casais jovens são convidados a dormir na casa dos pais.
Ou seria como adulto jovem o meu tempo? E lembro um tempo de ansiedade para terminar a terminar a faculdade, de começar uma carreira. E, do dia para a noite, nascer uma família e você ter sob a sua responsabilidade mais vidas além da sua. Mas isso é igual hoje. O que ocorria de diferente naquele tempo oitentista é que teve ano que a inflação chegou a 235%. Pode imaginar? Era assim. Você nunca sabia qual era o seu salário. Todo mês ele era corrigido, mas você não tinha certeza se a correção batia mesmo com a inflação. Ao receber, você deveria correr ao supermercado e comprar tudo o que precisasse durante o mês, porque no dia seguinte os preços já estariam maiores e na semana seguinte você compraria apenas metade do que comprou.
Nada disso é importante, porém. Seja lá como for, todo o tempo, de qualquer pessoa, terá coisas boas e coisas ruins para se lembrar. Nem é esse o ponto que decide o tempo melhor ou pior de alguém. As comparações, enfim, são inúteis, é mais ou menos como querer comparar o grau da dor percebida de alguém sobre um mesmo episódio. Cada qual sente ao seu jeito. O que fica dos tempos mesmo são as memórias afetivas dos pequenos momentos vividos.
Por isso, é mais provável que a decisão de parar no tempo seja apenas do medo, uma tentativa desesperada de se proteger do susto das mudanças. Afinal, é bem difícil lidar com a inconstância permanente do tempo, em especial nesses tão acelerados. O que foi ontem pode não ser mais hoje. Antes fosse a inflação. É aquilo que mexe na alma, na base da sua existência. Então, me escondo das novas tecnologias que invadem o meu dia a dia me negando a aprender. Me escondo de discutir temas para os quais não fui preparado antes e tenho medo, como racismo, gênero, orientação sexual. É como se essas pessoas tivessem a sensação de, ao entrar em novos campos, estarem cruzando o precipício sobre uma ponte de cordas, que sacode com o vento. E o seu cérebro perde as referências, bate de um lado e de outro, sem reconhecer os padrões que lhe dão tanto conforto para viver. Mais fácil é entrar para um grupo de WhatsApp que defende Deus, Pátria e Família, não preciso mais pensar nem decidir.
No entanto, é apenas uma ilusão achar que podemos nos isolar do mundo e parar num tempo que se deseje, ancorado numa memória reelaborada romanticamente. Ao invés de conforto, teremos é o temor constante de ver a redoma de vidro ameaçada. E poremos o exército mental em alerta permanente, sem paz. Por isso, tenho pra mim que o meu tempo é hoje, sempre foi o hoje. A beleza nunca esteve no que passou, está no vai e vem da jornada. Como uma onda do mar, diria Lulu Santos:
“Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo”