Em entrevistas de emprego costumam nos perguntar onde nos vemos dentro de cinco anos. Pois eu sempre achei essa pergunta uma bobagem. Sabendo o que sei agora, então… Na previsão para o futuro, podemos dizer (mentir) nossas intenções e desejos, trabalhando meramente no campo da fantasia. Mesmo os mais organizados e metódicos, que têm tudo previsto e planejado desde os primeiros anos de vida, não têm como saber se a vida não vai atrapalhar os planos.
A pergunta certa, a meu ver, deveria ser: “você aprova sem ressalvas seu eu de cinco/dez/vinte anos atrás?” Não, não é a também clássica: “você se arrepende de algo que fez?” Essa versão normalmente detona alguma daquelas respostas clichês clássicas: “eu só me arrependo do que não fiz” ou “eu não mudaria nada, pois tudo foi aprendizado”. Se a resposta for “claro! Eu sou a mesma pessoa!”, desconfie. Numa reflexão sobre o passado, conseguimos avaliar o quanto evoluímos ou ficamos parados, fixados no mesmo modo de pensar. O que muita gente considera “coerência”, pode ser visto também como rigidez e falta de evolução.
Da minha parte, a resposta para essa pergunta é: “provavelmente não”. Se fosse apresentada hoje à Cássia de 2002, meu santo provavelmente não bateria direito com o dela. Ô mulherzinha chata. Cheia de convicções e certezas, com um humor ácido por vezes corrosivo demais, com dificuldade para demonstrar afeto e cobrando dos outros tanto quanto cobrava de si mesma – e ela cobrava muito de si mesma. Gaúcha que morava em São Paulo e detestava a cidade, não se furtava a dizer isso a quem quisesse (e não quisesse) ouvir. Por que se mudou para lá, então? Mala.
O curioso é que trago até hoje amigos queridos que fiz justamente naquela época. E por eles e a eles sou e serei sempre grata. Foram pessoas que enxergaram – e ainda enxergam – por trás da carapaça alguém que eu mesma precisei de anos de terapia e autoavaliação para acolher. Hoje entendo de onde vinha tanta raiva e tensão, tanto medo de se abrir e deixar à mostra a vulnerabilidade e a doçura que dava tanto trabalho manter escondidas sob camadas de brabeza e falso cinismo.
Podemos acreditar que Lula e o PT de hoje serão diferentes dos de 2002?
A vitória de Lula no último domingo reavivou esse meu questionamento. Tendo trabalhado na cobertura jornalística da primeira eleição do petista em 2002 e depois da sua catártica posse no primeiro dia de 2003, lembro com clareza do período – e, portanto, de quem eu era e o que passava pela minha cabeça naquele momento. Eu ainda não tinha 30 anos, mas já na época me senti uma velha considerando exagerada tanta alegria e esperança direcionada a um governo que, dava para antever, vinha para dar continuidade ao que já vinha sendo feito com um falso discurso de “revolução social”. Hoje, em retrospecto, sabendo o que veio a seguir, vejo que nem sempre o meu eu de 20 anos atrás estava errado.
No próximo 1º de janeiro, tudo indica que as ruas de Brasília verão uma festa ainda maior e mais intensa. Desta vez, admito, mesmo tendo votado no novo presidente a contragosto, talvez eu mesma me emocione. Há o que celebrar. A posse de Lula marcará a saída de um período de quatro anos de um filme muito ruim, com roteiro inverossímil e péssimos atores e a volta à normalidade. Não estaremos entrando no paraíso, longe disso, mas pelo menos voltaremos a um purgatório conhecido. (A nova Cássia, mais madura, tem expectativas mais realistas.)
Assim como eu mudei tanto nessas duas décadas, espero que tenham mudado também Lula e quem o cerca. Pelo discurso (de estadista) feito por ele no domingo à noite, quando o resultado da votação foi oficializado pelo TSE, tenho a sensação de que sim. A Cássia de hoje consegue (quer?) acreditar que as pessoas e os grupos podem mudar. Vê-lo valorizando em primeira mão os apoios da grande Marina Silva (que tanto sofreu em 2014 com a campanha suja feita pelo mesmo PT) e de Simone Tebet (apoiadora crítica desde que saiu o resultado do primeiro turno) me deu um fio (bem tênue, é verdade) de esperança de que, sim, o Lula de hoje tem ainda mais qualidades do que o de 2002, e que o PT, hoje, tenha aprendido que é o verde e amarelo do país precisa ser maior do que o vermelho do partido. Isso é imprescindível para corroborar o discurso de Lula de que “não é uma vitória minha, do PT ou dos partidos que me apoiaram. É a vitória de um imenso movimento democrático”.
(Em um último parêntese em um texto repleto deles, a Cássia mais cínica de 2002 está aqui, rindo da minha ingenuidade. Por ora, porém, deixa a Cássia menos pessimista curtir esse barato.)