Você compraria um amigo para o seu filho com deficiência?
Esse era o título da coluna que publiquei no final de fevereiro. Nela, falei da proposta de uma mãe que colocou um anúncio para pagar pessoas para passar um tempo com seu filho, um homem com síndrome de down de 24 anos.
O tema foi o isolamento das pessoas com deficiência, o que gerou muitas mensagens na semana seguinte à publicação, além de comentários nas redes sociais. “Nós, pais, sabemos o quanto é difícil e triste a impotência diante desse tema”, foi um deles.
Outro pai conta que seu filho autista quase não tem amigos, enquanto uma mãe relata, com tristeza, que o filho está isolado e já não tem mais vontade de sair somente com familiares. Uma mulher com atrofia muscular espinhal, cadeirante, me relatou que se sente isolada no trabalho e sozinha nos finais de semana, contando que se identificou muito com a temática.
Em outra mensagem, um pai ressaltava a doçura de seu filho, mas questionava até quando ela irá durar diante de tanta exclusão. O mais tocante de tudo é que eu entendo profundamente cada palavra dita, vivo cada sentimento que me foi transmitido. Eu, pai de um autista de 20 anos.
No artigo de Elizabeth Fein sobre amizade e autismo que citei na coluna anterior, ela argumenta que as amizades e outras relações extrafamiliares são determinadas pela escolha individual. Os relacionamentos partem do que ela chama de “likeability”, que seria a habilidade de fazer com que as pessoas gostem de você e queiram que você seja amigo delas, atributo reservado aqueles que dominam a comunicação social e que têm boas habilidades interpessoais.
Um dos comentários que recebi, responsabilizava o capacitismo de nossa sociedade pelo isolamento e exclusão das pessoas com deficiência. Lamentavelmente, é uma realidade. Elizabeth Fein anota que a amizade envolve interesses recíprocos e que a amizade tenha efeitos positivos em ambos. A diminuição do status da pessoa com deficiência faz com que ela não seja vista como uma parceira.
Da mesma forma, a amizade muitas vezes pode não significar o mesmo para todo mundo. A autora aponta que pessoas com deficiência intelectual tendem a descrever a amizade mais como fazer atividades juntos do que compartilhar intimidades ou se abrir um com o outro, o que parece ser mais importante para as pessoas típicas. Essa seria mais uma causa de afastamento e exclusão.
Como a amizade é vista como uma opção individual, as pessoas com deficiência são deixadas para trás, o que é reforçado pelo enfraquecimento das atividades e laços comunitários em nosso mundo ocidental. Além da sugestão de “pagar um amigo” e da ideia de que apenas um amigo já é o suficiente para mudar o cotidiano da pessoa com deficiência, a autora aponta que as atividades coletivas onde a interação é conduzida por algum responsável é mais benéfica para a socialização de autistas.
Muitas vezes, por experiência própria, vi que a presença de um adulto mediador (e que podem ser os próprios pais ou familiares) pode fazer muita diferença na inclusão de todos na conversa ou atividade. #ficaadica
Outra forma que propicia maior participação de autistas e outras pessoas com deficiência são as comunidades de interesse, onde todos estão unidos por gostar de um esporte ou gênero musical. Nesse caso, os atributos como conhecimento do objeto de interesse, engajamento e contribuição para o grupo são muito valorizados, servindo de ponte para se relacionar com os demais membros do grupo.
Ainda acredito que o mais importante é entender que as pessoas vivem de outro modo. Acolher as diferenças e ver a todos não como mais ou menos do que nós, mas apenas diferentes é fundamental. Muitas vezes, o melhor da vida não está em quem nos serve de espelho, mas, justamente, naqueles que mexem conosco por mostrarem novas possibilidades. Nem sempre é fácil, porém é esse o material que nos faz humanos.