A famosa frase “Penso, logo existo”, do filósofo René Descartes, sempre foi uma garantia da minha e da sua presença no rol dos Seres pensantes. O pensamento lógico opera sob nossas mentes de forma natural e se torna um processo mecânico. Formamos a nossa subjetividade conforme referências parentais e os cuidadores de forma integral, o que nos faz andarilhos das regras e comportamentos sociais.
Descartes afirmou que o ato de pensar é uma condição para a existência, ou podemos interpretar que ao pensarmos tomamos a consciência de existir:
Todas as “coisas” são possíveis de cair sob o conhecimento dos homens…nenhuma é tão afastada que não se possa atingir, nem tão oculta que não se possa descobrir.
René Descartes (1596-1650)
Ao nascermos, as sensações e percepções são o nosso norte, o instinto impera e de acordo com o amadurecimento cerebral as sinapses e conexões atravessam fronteiras necessárias para o desenvolvimento. Estabelecendo, sobretudo na infância, uma dinâmica de estímulo fascinante.
Após esse processo, a individualidade se torna tão potente em nosso modo de vida que o fato de que formamos a nossa subjetividade com base no olhar do outro, seja mãe, pai ou cuidadores, se mostra irrelevante muitas vezes. Deixamos de considerar que o reflexo e repetição dos nossos comportamentos acontecem através da afirmação ou negação do outro. Demonstrando uma necessidade desta contrapartida.
Pensar te torna sujeito e a forma como você expressa as emoções e comportamentos diz como serão as ações diante dos grupos. Não podemos negar que a técnica se aprende, mas o comportamento é quem dita tudo o que tu estás pensando em forma de gestos, no íntimo das suas sinapses.
As pessoas que demonstram um certo apego às emoções, que transbordam sob o olhar da sociedade, não são valorizadas. Pelo contrário, são vistas como emocionadas e descontroladas. Configurar a emoção e coletividade como algo a ser desvalorizado é o correto para avançarmos como sociedade?
As pautas emocionais constituem o pensamento crítico, pois fazem o caminho inverso ao que é proposto. O pensar em uma sociedade para além da singularidade, observando aspectos integrais do sujeito, é um caminho possível e real. Novas formas de condução de subjetividade devem ser consideradas à medida que as gerações vão mudando e o entendimento sobre a vida e modo de organização são alteradas. Aos poucos criamos necessidades individuais e coletivas que não são incluídas no contexto social. Seguimos um fluxo e considerá-lo saudável irá depender da capacidade de adaptar a crítica às nossas demandas individuais e sociais.
Cuidar do que se pensa é ir além da construção do desejo e um exercício possível de ser feito. É preciso lembrar que controlamos o nosso cérebro e não é ele quem dita as regras, apesar de termos a sensação de que é exatamente o contrário.
Desconstruir formas de pensar é muito estimulante e desafiador, mas também doloroso, por ser um processo no qual muitas pessoas não fazem questão. Muitas vezes não há o desejo de saber ou questionar se podem pensar diferente. Os seres humanos conversam, divergem e expressam pontos de vista. E é possível sim respeitar as ideias e seguir em frente. Não esqueçam que por trás de um pensamento existem também referências ancestrais, vida e afetividade.
Jennifer Cereja é mãe, ativista, psicóloga e palestrante. Trabalha em consultório, apaixonada pela clínica e os atravessamentos que a prática proporciona. As escrevivências, como diz Conceição Evaristo, tem o olhar afrocentrado sempre considerando o indivíduo como protagonista de sua história.