No LP Vivo, do Alceu Valença, tem um momento em que ele diz assim: “Tô parecendo o Nixon com duzentos microfones”. A imagem remete àquelas entrevistas coletivas com os repórteres todos tentando colocar seu microfone para captar a palavra do, então, presidente dos Estados Unidos.
Certamente, se você fosse uma figura que comandasse a maior economia do mundo, não teria como fugir de ter que dar esclarecimentos constantes sobre as suas decisões e os seus atos. Ainda mais o Nixon que se meteu numa grande confusão com o caso Watergate.
Mas suponhamos que você tenha uma profissão comum, um dentista, por exemplo. De repente, passa a fazer parte do seu contrato ter que dar uma entrevista coletiva após cada obturação ou tratamento de canal, extração, implante, enfim, após cada consulta ou procedimento.
Em alguns casos, quando tudo dá certo, pode ser mais fácil, embora tenha que dominar uma série de outras habilidades que não se enquadram nas da sua formação. Tem que apresentar uma desenvoltura para falar em público, uma postura agradável diante das câmeras, um jogo de cintura para ouvir críticas e responder com firmeza sem ser áspero.
E, se casualmente nesse dia tudo deu errado, quebrou a agulha na gengiva do paciente, o implante não conseguiu se fixar, enfim, foi um inferno verdadeiro. Como se não bastasse o descontentamento seu e, mais do que isso, o do seu paciente, ainda estarão diante de você uns quinze repórteres de emissoras diferentes, cada um com uma pergunta, uma minitese, uma velada acusação, uma exigência de um posicionamento público.
No futebol, de uns anos para cá, foi instituído que o técnico deve dar uma entrevista coletiva ao final de cada partida. Ele senta numa cadeira em frente a uma mesa com um microfone e um copo d’água. Atrás dele, está um painel com vários logotipos dos patrocinadores. Diante dele, uma porção de repórteres. Hoje, somam-se aos veículos de rádio e tv as mídias digitais, então tem muita gente pra fazer pergunta.
Abel Ferreira, o técnico do Palmeiras, pra citar um caso, teve que se justificar para um grupo desses após a recente eliminação do seu time na Libertadores. Em determinado momento, disse a um repórter, ao ser questionado sobre escalação, que era ele quem treinava o time e, por isso, sabia quem poderia render melhor, quem estava com uma capacidade mental boa para entrar em campo em determinada partida, qual o perfil melhor para enfrentar determinada situação. Enfim, que essa era a diferença entre ser um treinador e ser um comentarista ou um repórter.
Disse isso tudo visivelmente incomodado e abalado por, além de ter perdido uma partida importante, ainda ter que duelar com várias opiniões. Sim, um treinador de um grande clube de futebol ganha uma grana altíssima. Faz parte hoje das suas atribuições contratuais dar a tal entrevista. Mas haja controle emocional pra dar conta disso. Ainda mais imediatamente após uma partida, num estádio lotado, em que as suas escolhas movem o humor de quarenta mil pessoas. Sem falar nos milhões de torcedores que acompanharam pela televisão ou pela internet.
Renato, treinador do Grêmio, colocou ele mesmo e a direção numa sinuca de bico por ter se mandado para pegar seu avião ao Rio de Janeiro sem dar a coletiva de imprensa após perder o Gre-Nal. O presidente do clube criticou publicamente o ídolo gremista por essa atitude.
Sim, o comandante da equipe deveria prestar contas aos torcedores sobre o mau resultado. Sim, mesmo que já esteja de saco cheio de ter que se submeter a uma bateria de perguntas, deve respirar fundo e ir para a arena dos leões. Sim, ele ganha uma baita grana pra ter que fazer tudo isso.
Uma vez o Bido Wortmann, que foi jogador de futebol do Inter, me disse uma frase que me marcou. Nós dois éramos professores do Colégio João XXIII, em Porto Alegre. Ele, de Educação Física. Eu, de Língua Portuguesa. Seu irmão, o também ex-jogador Ivo Wortmann, foi treinar a seleção de futebol da Arábia Saudita naquele ano, recebendo um ótimo salário. Perguntei ao Bido por que ele não ia junto, como preparador físico. O meu colega de docência respondeu: “Dinheiro não é tudo na vida, Silvestrin”.
Foto da Capa: Lucas Uebel / Grêmio / Divulgação