As expressões usadas em linguagem muito vezes nos causam faíscas para elaboração de sentido do momento que estamos vivendo ou até mesmo de quem somos. Em encontro com amigos após uma noite cansativa de retorno para casa, da minha última ida a São Paulo, uma querida amiga falou: “o XX saiu em turnê.” Na hora achei genial e pensei: ela resumiu criativamente o meu lifestyle. E vou explicar por quê.
O que é uma turnê? En tournée em francês, Tour em inglês. Em português turnê. É uma série de apresentações em diferentes lugares em geral com sentido ligado a arte ou ideias. Rodar pelos lugares apresentando a sua arte, o seu propósito, a sua voz no mundo ou até buscando negócios. Para usar o termo turnê a gente deve se entender como alguém que quer rodar lugares mostrando sua produção e visão singular sob algum ponto de vista (negócios, religião, ciência e arte). Eu me sinto assim desde sempre. E caiu a ficha que não é de agora. Mas nos últimos tempos estou consciente e me sentindo pronta a cair em turnê tendo neste momento da vida algo forte e consistente para mostrar: o meu olhar sobre o mundo de maneira pluriversal. Esta é a minha arte.
Quando um artista ou pessoa cai em turnê o processo é muito além de viagens em série, e sim uma troca e abertura para estar em interação plena com as pessoas, lugares, culturas e com quem você pode ressoar. Porque a vida não é mais do que a arte dos bons encontros, e neles é que tudo acontece.
Por que digo que não estou em turnê só agora? Porque me lembrei de uma fase na minha vida no passado onde eu planejei e acompanhei uma cliente influenciadora. Rodamos o país com suas palestras e demonstrações shows. Lembro de uma vez que fomos até o Acre. Nesta caída na estrada com ela, eu pude conhecer quase todo o território nacional, indo além das capitais. Em cada lugar eu sempre me dispus a viver, conhecer pessoas, aceitar convites e ir ampliando minha visão sobre o mundo e sobre a vida. E nunca faço isto apenas pelo conteúdo, mas pelo desejo genuíno de explorar o desconhecido.
Talvez por isto que as pessoas se surpreendam como eu fico bem em viagem, ou pós ela. O meu brilho vem. Pois não tenho como hábito a ruptura da rotina e a ritualização da viagem como algo com outra dimensão que não seja o estar em turnê. Ou em estado de vida mambembe (que aí é a vida de circo) ou, em um estágio mais ancestral, vida cigana. E hoje, na modernidade, nominada de nômade digital. Todas estas nomenclaturas englobam um estilo de vida onde o movimento é tão essencial quanto o ar.
E que a vida se dá pelo olhar curioso de descoberta, explorações, menos apego e mais abraço ao sentido de transitoriedade. E isto leva a uma visão mais espiritual e sensitiva. Lembro que li uma vez em um artigo sobre comportamento que, além de personalidade, isto reflete uma construção de vida dinâmica e móvel, geralmente por uma condição relacionada à busca de mobilidade sociocultural.
No artigo dizia que pessoas que buscam mobilidade sociocultural vão na vida trocando de casa, lugares e redes a cada ascensão, então o apego do fixo não se estabelece. Acho bem possível esta teoria, pois fazendo uma busca no passado, nasci no bairro Menino Deus, morei no Morro da Cruz, depois em Petrópolis (onde trocamos 3 vezes de apartamento) e depois na zona sul de Porto Alegre, tudo até meus 26 anos.
Mas qual o foco desta tua reflexão Paty? É mostrar para vocês que sair em turnê tem tudo a ver com aprendizado, troca, posicionamento, se expor a uma relação com o mundo em busca de algo maior do que dinheiro. Existe prazer em sair em turnê, existe aventura, criação de memórias. Mas sair em turnê exige desconforto, incomodo, disposição física, curiosidade e muita mas muita flexibilidade. Pois significa se jogar na vida. E neste tipo de vida não existe controle e sim fruição. Adaptação. Criação.
Saia em turnê se você quer fazer negócios, se você quer ampliar seu repertório cultural, se você quer gerar movimento. E não se culpe se sentir vontade de se fixar em alguma lugar em algum momento. Mas entenda que quando você sair em turnê você tem que ter algo para levar, para brilhar. E sabe o que é? Você mesmo bem e inteiro no mundo. Porque a essência da turnê é você colocar sua voz em relação com os contextos. E colocar a sua vida em movimento mas tendo pela consciência de que existe um ponto permanente que te faz sentir confortável: sua essência.
A vida é uma linda e breve jornada. Saia em turnê alguma vez dentro dela.
*Esta coluna eu dedico a Greta e César Paz. Obrigada pelo insight. Ao meu amigo Ricardo Felinto, que vive turnê na Amazônia e no mundo. A Patti Leivas que tem até um slogan #giropattileivas. E a toda comunidade de nômades inovadores que rodam o mundo em busca da riqueza que o dinheiro não compra.
Mais textos de Patrícia Carneiro: leia aqui.