Quando escutamos a palavra genocídio, com frequência lembramos da Segunda Guerra Mundial, do holocausto que exterminou cerca de 6 milhões de judeus, bem como ciganos, sérvios, homossexuais, soldados russos, testemunhas de jeová, deficientes físicos e mentais, intelectuais e várias outras minorias.
Lamentavelmente, os genocídios sempre aconteceram na história da humanidade, na luta das civilizações pela sobrevivência e supremacia, e seguem acontecendo a toda hora, embora muitos países tenham dificuldades para reconhecer a existência de tais crimes pois, em alguns casos, teriam de reconhecer que cometeram ou estão a cometer esse crime hediondo, ou tomarem medidas contra aliados ou parceiros comerciais, o que é muito delicado por diversas razões.
Mas, como se demonstrará neste artigo, o crime de genocídio envolve outras condutas, e é desnecessária a morte de uma pessoa ou de milhões como citado acima, para que ele se concretize.
Conceitos jurídicos de genocídio
Como reação à monstruosidade havida na Segunda Guerra, em 1946, foi estabelecido pela Assembleia Geral da ONU que a prática de genocídio é um crime sujeito ao direito internacional.
A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, concluída em Paris, em 11 de dezembro de 1948, por ocasião da III Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, definiu o crime de genocídio da seguinte maneira:
“Na presente Convenção, entende-se por “genocídio” qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como:
- A) Assassinato de membros do grupo;
- B) Dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
- C) Submissão internacional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial;
- D) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
- E) Transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.”
Essa definição foi reproduzida, em 1998, no Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI), em inglês “International Criminal Court (ICC), e que tem competência para julgar os crimes de genocídio, em alguns casos.
Vale salientar que o Brasil assinou o compromisso ao Estatuto de Roma, em 2000, que foi ratificado e passou a ter vigência interna em 2002.
O crime de genocídio no direito brasileiro
No Brasil, a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio foi aprovada e promulgada em 1952, sendo que em 1956 foi decretada e sancionada a Lei Nº 2.889, que define os crimes de genocídio como definidos na referida convenção.
No Brasil, quais são as penas para quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, praticar as seguintes condutas?
- matar membros do grupo;
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
- causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
- submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos.
- adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
- efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;
Pena – reclusão, de 1(um) a 3 (três) anos.
Crime de associação para a prática de genocídio: se mais de 3 (três) pessoas associarem-se para prática dos crimes mencionados acima, a pena será a da cominada aos crimes ali previstos.
Crime de Incitação: se a conduta for incitar, direta e publicamente alguém a cometer qualquer dos crimes acima, a pena será a metade das penas cominadas para os crimes mencionados nas alíneas “a” a “e” acima.
Se o crime incitado se consumar, a pena será aumentada de 1/3 (um terço), quando a incitação for cometida pela imprensa.
Outrossim, a pena será agravada de 1/3 (um terço), no caso dos crimes acima mencionados, quando cometido o crime por governante ou funcionário público.
E muito importante, o crime de genocídio admite tentativa, a qual será punida com 2/3 (dois terços) das respectivas penas dos crimes acima elencados.
Julgamento de genocídio no Brasil
Houve muita repercussão e reviravoltas jurídicas o julgamento e a condenação dos réus por genocídio, em razão do massacre de 12 índios e crianças ianomâmis a tiros e a golpes de fação, em área de garimpo, em Roraima, no ano de 1993, o famoso “massacre de Haximu”.
Os réus foram acusados de diversos crimes, todos em conexão com o crime de genocídio e associação para o genocídio. Cinco deles foram condenados a penas de 19 a 20 anos de prisão. Todavia o Tribunal Regional Federal da 1ª Região anulou a sentença por entender que a competência para o julgamento seria do Tribunal do Juri.
Felizmente, em 2000, o Superior Tribunal de Justiça, seguiu a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) que entende que o genocídio contra os indígenas deve ser julgado pelo juízo singular federal, como havia ocorrido.
Em 2006 esse caso foi examinado pelo STF que manteve a condenação. Vale transcrever parte da Ementa do Recurso Extraordinário 351.487-3 Roraima, de relatoria do Ministro Cezar Peluso:
“O tipo penal do delito de genocídio protege, em todas as suas modalidades, bem jurídico coletivo ou transindividual, figurado na existência do grupo racial, étnico ou religioso, a qual é posta em risco por ações que podem também ser ofensivas a bens jurídicos individuais, como o direito à vida, a integridade física ou mental, a liberdade de locomoção etc“
É assustador que mesmo depois de tudo o que aconteceu na Segunda Guerra, estejamos assistindo em nossos computadores e televisões, muitas vezes em tempo real, a Rússia negar à Ucrânia o direito de existir como país, nação, ter a sua cultura, autodeterminação e soberania respeitadas.
A toda hora assistimos cenas e reportagens que mostram as consequências da invasão da Ucrânia, civis sendo atacados, milhões de pessoas passando fome, sede e frio, tentando escapar para outros países, crianças sendo roubadas e levadas para adoção na Rússia, cidades destruídas, a infraestrutura de um país arrasada, relatos de assassinatos, torturas e estupros, e até a ameaças de utilização de armas nucleares, algo que deveria ser impensável na Europa do século XXI.
Assim, encerro esse artigo com uma frase sobre outro genocídio sofrido pela Ucrânia há quase um século, o Holodomor, que foi em síntese a política implantada por Joseph Stalin para que o povo ucraniano morresse de fome.
“A fome de 1932-1933 na Ucrânia foi um ato de genocídio dirigido contra o povo ucraniano. Foi um dos crimes mais graves cometidos contra ele, durante a época do totalitarismo. “
A história se repete. Que vergonha para a humanidade!