Em março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, de forma muito justa e vantajosa para os contribuintes, a correta base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) que, saliente-se, vinham pagando há muitos anos uma tributação majorada indevidamente.
Passou a vigorar, então, o entendimento de que devem ser considerados os valores de mercado das transações como valor venal das operações de compra e venda de imóveis, e não os valores fixados por outros critérios estabelecidos pelos municípios que muitas vezes determinavam valores superiores e distantes da realidade de mercado.
Vale lembrar que o ITBI é um imposto cobrado pelos municípios quando alguém compra um imóvel. A alíquota varia de 2 (dois) a 3 (três) por cento, dependendo da lei de cada legislação municipal.
Esse julgamento foi realizado na sistemática do Repetitivo, ou seja, os tribunais de juízes deverão observar as teses adotadas pelo STJ, que são os precedentes vinculantes. Explicando de forma simples, são selecionados dois ou mais recursos que representem a controvérsia, ou seja, o tema a ser decidido.
Desse modo, o estabelecido pelo julgamento, que é chamado de tese, deve ser aplicado a questões de direito idênticas, sobre o mesmo tema. Tais julgamentos são organizados por questão jurídica decidida (Teses), e divulgados na internet, para que sejam de conhecimento de todos.
Apesar disso, são inúmeros os casos em que os profissionais do direito e juízes e tribunais, por entenderem que o caso não é exatamente igual, aplicam a técnica da distinção, e acabam por julgar de forma diferente.
Nesse caso, o STJ julgou o Tema 1.113 para definir se a base de cálculo do ITBI está vinculada ao IPTU e se é legítima a adoção do valor venal de referência previamente fixado pelo fisco municipal como parâmetro para a fixação da base de cálculo do ITBI.
A tese firmada
O STJ definiu que:
“a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculado à base de cálculo do IPTU, quem nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência estabelecido unilateralmente.”
Consequências
O Município de São Paulo, cujo processo foi selecionado para embasar o julgamento, vem recorrendo, tentando inclusive a interposição de Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, mas até agora não teve sucesso, pois não se trata de matéria constitucional.
Muitos municípios como, por exemplo, o Rio de Janeiro e São Paulo não estão respeitando a decisão do STJ, alegando em síntese que ela não transitou em julgado, ou seja, ainda pende de decisão de recursos, e sustentam que o julgamento repetitivo era referente apenas à controvérsia sobre a incidência do ITBI em arrematações de imóveis em hastas públicas, e que por isso o STJ não poderia aplicar esse entendimento para outras situações em que incide o tributo.
Com todo respeito ao entendimento acima, creio que não será acolhido, pois a grande questão era na realidade definir o que é o valor venal. Esse julgamento deixou claro que valor venal é o valor da efetiva venda, e o STJ ao definir a “tese”, não fez qualquer ressalva de que o precedente vinculante seria restrito as hipóteses em que houve arrematação judicial.
Por outro lado, após o julgamento houve expressiva mobilização dos contribuintes que entraram com ações questionando a correta base de cálculo para o ITBI, e pediram a devolução dos valores pagos a maior nos últimos 5 (cinco) anos.
Obviamente, São Paulo e o Rio de Janeiro lideraram o ranking do número de ações, conforme divulgado pela imprensa, mas em Porto Alegre também ocorreu o ajuizamento de ações postulando a devolução das diferenças decorrentes da base de cálculo estipulada pelo município.
Um caso de muita repercussão na mídia foi a ação judicial movida pelo humorista Fábio Porchat, que ao comprar um imóvel por R$ 1.900.000,00 teve de pagar, a título de ITBI, o valor de R$ 90.742,76, para o município de São Paulo, pois o fisco municipal entendeu que o valor do imóvel seria de R$ 3.024.762,00.
Alguns juízes, por precaução, suspenderam os processos que lhes foram distribuídos, mas imagino que mais cedo ou mais tarde os contribuintes terão seu “rico e custoso dinheirinho” devolvido.
Estou ciente que, na maioria dos casos, os valores cobrados a maior são pequenos, não justificam o desgaste, o trabalho e os custos que envolvem um processo judicial, ainda que em um juizado especial, mas fico contente de ver a população reagindo a algo que obviamente é injusto.
Gostei muito da decisão do STJ, e torço que discussões que envolvam a cobrança de tributos a maior pelos fiscos municipais, estaduais e pela Receita Federal passem a ser julgadas com maior celeridade. Em razão da conhecida morosidade fica fácil e conveniente inclusive para alguns entes tributantes, optarem por sempre atribuir aos contribuintes uma tributação excessiva, sendo que na melhor hipótese terão apenas de devolver o cobrado a maior nos últimos 5 (cinco) anos em razão da prescrição.
Como disse Rui Barbosa, “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada.”