Nesta semana, o escritor Jeferson Tenório relatou a abordagem policial de que foi vítima há alguns meses no Parque da Redenção, em Porto Alegre. Disse que foi a décima sexta vez na sua vida em que já acabou sendo constrangido com esse tipo de situação.
Estava com um fotógrafo do The New York Times que iria tirar uma foto sua para uma matéria no jornal dos Estados Unidos a respeito do seu premiado livro O avesso da pele. Os policiais revistaram os dois com aquela tradicional ordem pra botarem as mãos na cabeça e ficarem calados.
Depois de fazerem a revista e não encontrarem nada que os comprometesse, falaram, ao fotógrafo, branco, sem dirigir a palavra ao Tenório, preto, que o motivo da ação era que tinham sido informados de que havia por ali um traficante e um cliente com uma descrição semelhante às suas.
Terminaram e foram embora dizendo que quem não deve não teme. Fiquei pensando que valeria, se vivêssemos num lugar onde a polícia suportasse ser indagada, o seguinte diálogo: agora que vocês já sabem quem nós não somos, podem escutar um minuto quem nós somos?
E, a seguir, dizer: este aqui é o fotógrafo do jornal The New York Times. Sabe o que esse homem branco, que vocês pensavam que era o cliente, veio fazer? Veio me fotografar. E por quê? Porque eu, esse homem preto, que vocês juravam que era o traficante, sou um dos mais importantes, segundo a crítica e o público, escritores brasileiros da atualidade. Meus livros já foram editados em vários países. E sabe sobre do que eles tratam? Sobre o preconceito racial e a violência contra os negros.
Num mundo ideal e civilizado, os policiais se desculpariam pelo engano e até iriam procurar os livros para saber mais sobre esse sujeito. No mundo real brasileiro, naturalizamos que a abordagem policial é essa em que somente o policial fala. Não tem escuta. E ainda tememos falar e sermos alvos de mais violência.
Eu, nos meus vinte e poucos anos, sofri o que chamávamos de atraque. Fomos colocados na parede da Santo Antônio com a Osvaldo Aranha. Olhei para trás enquanto revistavam meus bolsos da calça, e o policial ordenou que eu virasse pra frente.
Não encontraram nada e seguiram rispidamente nos mandando embora. Se já é um trauma passar por isso uma vez, imagina dezesseis. O meu atraque virou um conto do meu livro Play. Todo o apoio ao Jeferson Tenório, um escritor e um cidadão que não se cala e contribui para que se fale sobre tudo o que precisa ser abertamente questionado.
Foto da Capa: Reprodução de Redes Sociais
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