Minha sensação nos dias atuais é a de que todo mundo sabe de tudo, seja pelos muitos conteúdos que recebo nos grupos que participo, como no POA Inquieta, pelas redes sociais ou que assisto nas mídias online e offline. Há horas que fico altamente pessimista, pois fico com a impressão de que se o assunto é da moda, a pessoa lê uns dois ou três posts alheios, para se graduar, assiste a uma live, para se pós-graduar, e pronto! Está apta a dar opinião. Aprofundamento, pra quê? Num mundo onde 15 minutos de fama já se tornou uma eternidade?
Digo tudo isso porque no mundo em que vivo virou moda falar a respeito de Etarismo / Idadismo / Ageísmo / Preconceito Etário / Velhofobia / Gerontofobia. Até no Fantástico e no Globo Repórter se falou sobre isso. Muitos defenderam a importância de falar a respeito do(s) tema(s)… Sabe que não sei? Pois está sendo feita tanta confusão nos conceitos, que fico imaginando se será possível desembaraçar esses fios depois.
Se você quiser desembaralhar o que é, o que não é e quem sabe entender melhor sobre essa confusão sobre a qual estou tratando, siga comigo.
É TUDO IGUAL, Idadismo – Etarismo – Ageísmo
Essas três palavras querem dizer a mesma coisa: é quando a idade é utilizada para categorizar as pessoas de maneira a causar danos, humilhações e injustiças. Crianças podem ser vítimas de Idadismo quando, por exemplo, adultos afirmam que elas não entendem nada de determinado assunto pelo simples fato de serem crianças. Jovens são alvo de etarismo quando duvidam das suas capacidades (“Mas já sabe dirigir?”). Porém, com o envelhecimento, as pessoas são mais vulneráveis ao ageísmo em diversas áreas das suas vidas: em menores oportunidades de trabalho, na inadequação de produtos, serviços e no atendimento para as faixas etárias mais velhas, por estereótipos de que são mais doentes, lentas, ranzinzas, esquecidas e atrapalhadas.
É TUDO IGUAL, MAS NÃO É A MESMA COISA
Apesar de Idadismo, Etarismo e Ageísmo significarem a mesma coisa, a Organização Mundial da Saúde (OMS) escolheu Idadismo para se referir a esse tipo de desigualdade na nossa sociedade. Então, sugiro se referir a ela pela palavra mais adequada.
PRECONCEITO ETÁRIO É SÓ UMA PARTE DO “PROBLEMA”
Quando tratamos a respeito das dimensões do Idadismo, entendemos que existem três: estereótipo, como pensamos, preconceito, como sentimos, discriminação, a forma como agimos. Então, o preconceito (sentir) é uma das dimensões, daí a fazer dele uma ação ou comportamento interpessoal, institucional ou contra si mesmo (implícito ou explícito), poderá ou não acontecer.
TEM GENTE CHAMANDO GATO POR LEBRE
Existe uma questão muito séria no Brasil, país onde a juventude foi elevada a um imperativo para qualquer idade, especialmente para as mulheres, que é a Velhofobia ou Gerontofobia. Conforme a Academia Brasileira de Letras, “Gerontofobia é o nome da síndrome que define aversão [a] ou medo patológico de pessoas idosas ou do processo de envelhecimento. Os sintomas afetam os pensamentos e causam ansiedade. No geral, a pessoa acometida por essa fobia tem sentimentos depressivos, pois a perspectiva do futuro é sempre negativa. Sendo assim, não consegue sonhar nem imaginar algo agradável longe da juventude. A Gerontofobia caracteriza a rejeição à velhice e, consequentemente, aos que estão passando por ela. Em alguns casos, a Gerontofobia /Velhofobia está sendo confundida com Idadismo. Sim, os temas têm intersecção, mas não são sinônimos, fica aqui bem entendido. OK?
CABEM MUITOS EM MIM
Foi criada uma simplificação, símbolo dos nossos tempos, pra falar dos “40+”, “50+”, “60+” … Esta criatura, muitas vezes, parece que tem apenas a idade para contar sobre a sua história. Porém, havemos de convir que eu, mulher, branca, classe média, casada, duas filhas, sou muito mais do que se me descrevesse 50+ (tenho 56 anos). O ponto a que quero chegar é que precisamos ampliar a visão e considerar que as pessoas carregam muito mais do que suas idades, elas carregam suas histórias, transversalidades e interseccionalidades. Ou seja, suas identidades de gênero, recortes de classe, religião, limites físicos, raça, origens, (des)afetos… em camadas, tudojuntoaomesmotempo, e, infelizmente, essa carga fica cada vez mais pesada com o envelhecimento por causa do Idadismo.
O Idadismo é um problema. Em países como o nosso será cada vez mais grave, e que tende a impactar em várias áreas, como na área da saúde, por exemplo. Estudo americano de 2020, com pessoas de 60 anos ou mais, identificou que um em cada sete dólares gasto em assistência de saúde é devido ao Idadismo, anualmente, nos EUA. Quatro de cinco estudos (80%) de análise que investigavam conexão entre Idadismo e deficiência cognitiva, encontraram uma associação entre eles. Todos os 29 estudos incluídos na revisão sistemática realizada pela OMS de 2020, e que analisaram o vínculo entre Idadismo e qualidade de vida, revelaram haver uma relação entre os dois, e que era negativa. E, no mundo, de cada duas, uma pessoa é idadista contra as pessoas idosas.
Então, o assunto é sério num país como o nosso em que a metade da população já tem mais de 30 anos. O nosso futuro é agora. Precisamos aprender e nos educar a respeito, e não de mais desinformação. E, combinemos, a responsabilidade pela mudança da nossa realidade é coletiva, mas começa dentro de cada um.
*Todos os estudos aqui divulgados estão publicados no Relatório Mundial Sobre Idadismo, da Organização Pan-Americana da Saúde – 2022
Karen Garcia de Farias é articuladora do Coletivo POA_Inquieta, Embaixadora do Movimento Lab60+, Consultora na Longevida (www.longevida.ong.br). Graduada em Comunicação Social, Pós-Graduada em Marketing pela ESPM e em Neurociência e Comportamento pela PUCRS.