Tempestades não costumavam me tirar o sono. Pelo contrário, desde pequena, gosto de dormir ao som de chuva forte, e os trovões não me abalam. Ou não abalavam. Nos últimos tempos, em madrugadas com temporais, sou despertada por latidos ferozes. Uma das nossas duas cachorras, a Bacana, de 5 anos, se enfurece com o ruído de trovões. Às vezes, sabemos que vem chuva por aí porque ela começa a latir olhando para o alto, na direção das janelas e das portas que dão para a rua. Com a audição canina, é natural que perceba os ruídos muito antes de nós.
No meio da noite, essa atitude nos incomoda, e Bacana costuma levar alguns xingões sonolentos da família toda: “Vai deitar, Bacaninha! Tá tudo bem!”, “Quieta, Babá!”, “É só chuva, Bacana”. Na última terça-feira, os trovões que ressoaram pela manhã foram motivo de brincadeiras que beiravam o bullying com a pobrezinha. “Muito bem, Bacana! Nenhum trovão entrou aqui graças a ti!”, comentou meu marido. E eu completei, dando risada: “Ela tem certeza de que está fazendo algo útil”.
Mal havia acabado meu comentário quando me dei conta do quanto também nós, humanos, temos a nossa versão de latir para trovões. E fiquei imaginando alguém nos olhando de fora e dizendo e pensando ironias como: “Muito bem, Cássia! Ninguém mais vai votar no Bolsonaro por causa do teu mais recente tweet esculhambando ele!”, “Isso! Xingar a mãe do digníssimo motorista fazendo absurdos na tua frente dentro do carro fechado certamente vai fazer ele parar de dirigir mal e atrapalhar o trânsito” ou “Claro, agora que falando sozinha diante da TV tu deste a real sobre o quanto ele fala bobagem, o comentarista esportivo vai parar de dizer as obviedades pelas quais a emissora o paga”.
Isso é muito eu. Quando o Twitter (não chamarei de X jamais!) ainda aceitava apenas 120 caracteres (e as coisas eram pouco mais do que mato por lá), cheguei ao ponto de criar a hashtag #implicanciaimplicante (que nunca viralizou, tanto que só existem posts meus com ela até hoje) para identificar esse tipo de comentário: o que não serve para nada além de extravasar uma irritação qualquer. Ou seja, latir para trovões é algo que eu faço há muito tempo. Sem jamais ver algo de bom (ou ruim) como resultado.
Existe saída para esse dilema? Provavelmente não. De uma forma ou outra, independentemente do poder que detenhamos em nossas vidas privadas ou profissionais, teremos nossos momentos de vovô Simpson gritando para a nuvem. Assim como a Bacana seguirá latindo para os trovões, a gente seguirá com nossas “implicâncias implicantes”, até mesmo como singela forma de desabafo. Cá entre nós: a verdade é que a eficácia, nesses casos, não é o nosso fim maior. Porque, admitamos, mesmo tendo a consciência da inutilidade de algumas de nossas manifestações, a simples sensação de que “não estamos calados” diante das aflições mais sérias e mais tolas da existência nos ajuda a seguir em frente, com a sensação de estarmos batalhando por algo melhor. Nos deixem!
Foto da Capa: Acervo da autora