Recentemente, no espaço de poucos dias, cruzei com diversos relatos – na forma de posts nas redes sociais ou reportagens de jornal e TV – de pessoas que mudaram a forma de ver e encarar a vida depois de um trauma ou um problema de saúde. Depois de terem um contato concreto com a própria finitude, elas decidiram rever suas prioridades. Percebi que o mesmo aconteceu comigo, mas aos poucos. O que me fez reformular meu olhar para o mundo foi uma compreensão gradativa de que autoajuda não é um palavrão, mas uma inevitabilidade.
Na primeira vez que ouvi falar em “autoajuda”, a expressão ainda era escrita com hífen e recém havia começado a ser usada com mais profusão para definir uma categoria de literatura que se tornou deveras malvista por qualquer um com pretensões intelectuais acima do rés do chão. Era 1990, e eu pedi para meu pai comprar Brida, de Paulo Coelho, que estava sendo lido por várias amigas. No mesmo dia, cumprindo a promessa de não fazer economia com livros ou filmes (eu tive essa sorte), ele trouxe da rua um exemplar, que entregou com o nariz torcido e um breve alerta de que aquilo era “só autoajuda” e, portanto, não devia ter qualidade literária. Aos 15 anos, fui inoculada com um preconceito que levei algum tempo para desconstruir. Em tempo: não consegui avançar da página 33 do livro do ex-parceiro de Raul Seixas, mas porque de fato não gostei do estilo (ou da história).
Sete anos depois, na minha primeira viagem ao Rio de Janeiro, me encantei com a capa e a sinopse de Ensaios de amor, o livro de estreia de Alain de Botton (foto da capa). Mais encantada ainda fiquei com a prosa do autor, contando o começo de um relacionamento apaixonado. Não foi exatamente ali que passei a entender “autoajuda” como sinônimo inequívoco de literatura de má qualidade ou picaretagem, mas foi onde o processo começou.
Se a obra dele carece de profundidade e rigor acadêmico (conforme acusam seus críticos mais ferrenhos), abunda em ponderações acessíveis aos leigos sobre os principais temas da existência humana – da religião às viagens, do amor romântico ao trabalho, da arquitetura ao jornalismo, passando (sempre) pelas artes. E abre o caminho para essa busca pessoal. Em uma entrevista concedida em 2011, em vez de rejeitar o conceito de “autoajuda”, ele o abraça:
“A tarefa de se entender um pensador ‘em seu contexto’ é uma das que são feitas de forma bela pelas universidades modernas. Há milhares de acadêmicos por todo o mundo não fazendo nada além disso. Há muito menos, portanto, pessoas que se atrevem a perguntar ‘como esta ideia pode nos ajudar hoje?’. Este é meu projeto (…). Meu ponto de partida é que precisamos ler essas pessoas pelo que elas podem nos dizer hoje, não pelo que eles podem ter dito à sua plateia há 100 anos.”
Você se ajuda?
Hoje, sou frequentemente contratada para traduzir algo em que, sem perceber, tornei-me especialista: textos de autoajuda. Assim como os autores e títulos de literatura de ficção e não-ficção que verti para o português, já deparei com coisas muito boas, mais ou menos e algumas poucas que costumo brincar que tudo o que me ajudaram a fazer foi pagar alguns boletos.
De certa forma, este texto que você está lendo nasceu durante o trabalho no título mais recente de cuja tradução participei, O pai estoico: uma reflexão por dia sobre paternidade, amor e como criar filhos incríveis. A singeleza da proposta do autor, Ryan Holiday, me fez pensar sobre o valor do lugar-comum, sobre como é importante nos lembrarmos cotidianamente de algumas obviedades. E então os malfadados clichês também ganharam um lugarzinho no meu coração.
Ora, todo mundo sabe que é preciso respirar, que o que não tem solução solucionado está, que de onde menos esperamos dali é que não sai nada e tantos outros ditados para os quais reviramos nossos olhos com veleidades intelectuais. E como a gente se lembra disso quando precisa? Não há vergonha alguma em pedir ajuda. Menos ainda em buscá-la onde ela estiver mais à feição. Mas, assim como em tudo na vida, é essencial ter cuidado com as fontes.
Em 2008, Alain de Botton criou a The School of Life, cuja missão declarada é “trazer cura, crescimento, calma e autocompreensão” ensinando, por meio de ideias da psicologia, psicoterapia, filosofia, arte e cultura, como a vida pode ser vivida de forma satisfatória. Com filial em São Paulo, “a escola da vida” funciona também como excelente produtora e curadora de conteúdos de qualidade. Iniciativas como o lucidas.cc, que foi tema da minha coluna da semana passada, estão espalhadas por aí. Vale muito a pena procurar.
Sempre vai haver quem diga que focar em ajudar a si próprio quando o mundo está repleto de problemas imensamente maiores do que os das nossas vidas de classe média privilegiada não passe de egoísmo alienado. Mas resolver as nossas aflições pessoais vai além do individualismo. Quando entendemos e/ou superamos nossos traumas, dramas e neuroses e nos tornamos mais gentis conosco mesmos, conseguimos entender melhor os outros. Então nos tornamos amigos, colegas, familiares e cidadãos melhores.
Foto da Capa: Alain de Botton / Reprodução TED-Youtube