Eu tenho muito medo de avião. Não é de hoje, mas não é de sempre. Lembro que adorei as primeiras vezes que andei num, ainda bem criança.
O medo veio pra ficar mais tarde, depois da adolescência e alguns traumas e experiências de quase morte, como um grave acidente de carro e uma cirurgia de onde achei que não ia sair viva.
O meu medo de avião começou com a consciência de que a vida acaba – acrescido de uma ansiedade brutal. Lembro bem do dia, caminhando com a minha tia e uma prima, e elas falando como seria a vida sem a minha avó, que havia morrido há pouco. Eu, que vi minha avó doente, mas não morta, não tinha me tocado de que não, ela não iria voltar e de que sim, a vida nunca mais seria como antes, quando ela cozinhava aqueles deliciosos vareniks recheados de batata e carne moída, as cucas de uva cheirosas, ou quando fazia as geleias de qualquer fruta da estação. Melhor ainda, aqueles pães crocantes por fora e supermacios por dentro, que cresciam nas formas de latas de óleo Primor, que ela mesma abria e transformava em formas retangulares pra fazer aquele pão mais-que-perfeito.
O tempo passou e eu tive que andar de avião forçadamente em várias ocasiões. Grávida de seis meses e com medo por duas, quase perdi o casamento da minha mãe porque não queria entrar num avião. Ameacei me demitir de um emprego porque tinha que viajar constantemente, pra todos os recantos do país, de avião. Quase não me mudei pra outro país porque, adivinha? Tinha que ir de avião. Mas em todas essas ocasiões, mesmo com medo, eu fui. Numa dessas viagens, um piloto de helicóptero sentou-se do meu lado e, tentando me tranquilizar, entre uma cerveja e outra, me disse que também tinha medo quando não era ele quem estava pilotando, por isso bebia. Esse apoio desmotivacional ajudou pelas risadas, e com o tempo o medo não passou, só ficou ali quieto num canto. Esse repouso foi motivado pela constatação do quanto a vida é incerta, até pra quem come um churrasco e pode se engasgar, ou simplesmente o coração para de bater, ou mesmo ser atacado por um vírus invisível e não resistir. Teve, claro, a ajuda do meu tio, piloto de avião, e que uma vez tentou me explicar com dados, estatísticas e muita confiança porque voar era seguro. Mas quem coloca na cabeça do inconsciente o que é real e o que é imaginação?
Naquela sexta-feira, 9 de agosto, eu estava viajando de avião. Estava ansiosa e com medo, e ia passar um dia inteiro pousando e decolando, saindo de Florianópolis no meio da chuva de madrugada. E aquela sensação ruim voltou, muito forte. Eu estava pensando em tudo que eu não tinha feito antes de entrar naquele avião rumo ao Panamá, com minha razão sabendo que provavelmente nada iria acontecer, mas com minha ansiedade e medo me deixando alerta pro fato de que nada é garantido.
Quando cheguei ao destino, vi as notícias sobre o avião que caiu no Brasil. Passado o primeiro impacto, ficamos acompanhando os detalhes do acidente que são repetidos exaustivamente em todas as notícias, com os nomes e fotos das pessoas que, por algum motivo, estavam naquele dia naquele avião. Cada história, cada rosto, cada família de quem estava lá vai ficar agora com a dor e com as memórias de todas essas pessoas que, com medo ou sem, embarcaram naquele avião.
O medo sempre vai existir, e a incerteza do amanhã também. O que não podemos perder de vista neste momento é que a vida é isso, alguns bons momentos que a gente deve aproveitar ao máximo enquanto duram, pois um dia vai ser tudo o que restou na memória de uma neta que sente, até hoje, saudade do cheiro da cuca de uva da avó.
Foto da Capa: Vista aérea da Cidade do Panamá / Acervo da Autora
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