Diante de alguns acontecimentos dos últimos tempos, comecei a me questionar sobre esses aspectos do voluntariado na sociedade onde vivo. Para começo de conversa, me apresento para melhor interpretação do que vou escrevendo aqui. Sou Natalia Soares, 77 primaveras já vividas, sou mulher branca, pedagoga e com forte atuação na educação não formal focada nas questões ambientalistas vividas no cotidiano.
Desde adolescente me incomoda o jeito como vivemos: uma pessoa “dar a mão à outra” muitas vezes é mal-entendido e se comenta: “O que será que essa aí está querendo se oferecendo assim para ajudar?”. Esse é uma, entre muitas outras atitudes, que desmerecem e desencorajam quem quer contribuir, de diferentes formas, com o que pode, com o que lhe é possível, de forma voluntária, sem requerer ônus.
Não obstante o desestímulo, algumas pessoas, organizações sociais, grupos com enfoques diversos, vêm demostrando à sociedade que nem todo o trabalho deve/tem que ser “monetizado”. Que nem sempre o trabalho prestado, pode ou deve ser pago com moeda oficial. Até se torna difícil entender que existe um outro modo de reconhecimento/valoração que é, inclusive, muitas vezes maior que o financeiro. Isto depende muito da situação da pessoa que se voluntaria e de quem recebe do serviço, ou melhor, da pessoa que oferece o serviço e do outro lado o beneficiário da ação.
Eu gostaria de destacar que venho descobrindo, como educadora ambientalista, que o trabalho voluntário “acalma a alma e alarga o coração” incomparavelmente mais robusta à sensação de ter ganho um punhado de “grana” na loteria… um sentimento que amplia as relações sociais e educa para o viver como ser social.
Venho constatando esses fatos, ao longo de minha vida como voluntária, em vários países em que participei, sendo mais uma entre muitas que se doam sem esperar nada em troca.
Dias atrás, escutei uma liderança, no final de uma jornada intensa de trabalho, onde mais de 50 pessoas empenharam sua força de trabalho, inteligência, qualidades profissionais e de ser humanos e tal, dizer no final da jornada, expressando um largo sorriso: “Estou feliz, mas não posso estar cansada. No próximo sábado tem mais”. E teve mais! Presenciei que muitas almas se somaram e desenvolveram atividades múltiplas “mudando a cara do mundo”.
Temos Leis vigentes (Lei n. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998 e outras mais recentes) que normatizam, vamos dizer assim, as relações entre o voluntário/voluntária versus a demanda e o ser beneficiado do serviço.
De fato, concordo que deva ter é uma formalização, que não pode e não deve quebrar a energia circulante do olhar, do vivenciar, do partilhar esforços, do aprender juntos, do questionar saberes, do mudar vidas com os esforços de alguns ou de muitos. Deixo este quesito em aberto para considerações, reflexões de quem estiver lendo por aqui.
É emocionante perceber a parceria, o nivelamento de igualdade que se estabelece no grupo ou nas pessoas individualmente empenhadas em fazer algo para alguém que talvez nunca saiba quem seja! Que tal andarmos conversando sobre essa nobre prática meio ausente nos nossos dias? Deixo só uns pontinhos para início de conversa em rodas de bar, na praça, no parque, pela rua.
A quem interessa o trabalho voluntário?
Quais os reflexos de uma ação de modo voluntária para quem a pratica? E para quem a recebe?
Consegues precificar tendo como referência as moedas vigentes?
Voluntariado legal – resumo da Lei Nº 9.608/98:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Considera-se serviço voluntário, para os fins desta Lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa.
Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.
Art. 2º O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício.
Art. 3º O prestador do serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas despesas que comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias.
Parágrafo único. As despesas a serem ressarcidas deverão estar expressamente autorizadas pela entidade a que for prestado o serviço voluntário.
Natália Soares é natural de Alegrete, mas já praticou o voluntariado e trabalhou no nordeste do Brasil e no exterior. É teóloga, pedagoga e educadora ambiental. Hoje coordena o Projeto Florescer, no Instituto Ecoa, em Porto Alegre.
Foto da Capa: André Furtado / Divulgação
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