Talvez você nunca tenha ouvido falar no Carf, mas esse é um dos assuntos que deve movimentar a pauta política no Congresso, nesta quaresma, além do chamado arcabouço ou âncora fiscal e a eterna ladainha da reforma tributária (agora vai, dizem os otimistas!).
Unificando três Conselhos (Primeiro, Segundo e Terceiro – cada um com sua abrangência tributária), o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) foi criado pela Medida Provisória n°. 449, de 3 de dezembro de 2008, convertida na Lei n°. 11.941/2009.
Integrando o Ministério da Fazenda, é o colegiado responsável por julgar, em segunda instância, ainda na esfera administrativa, os processos de cobrança de tributos (impostos e contribuições) administrados pela Receita Federal.
São 130 conselheiros, distribuídos em seções, turmas e câmaras, especializados em espécies de tributos, com divisão meio a meio entre representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, estes indicados pelas confederações empresariais, e sendo presidido por um Auditor Fiscal.
Num dos primeiros atos do atual governo, foi editada a Medida Provisória n°. 1.160/23, que, entre outras providências, reverte legislação anterior, restabelecendo o chamado “voto de qualidade ou de desempate” em prol da fazenda pública.
Isso significa que quando há posicionamentos conceituais e de enquadramento sobre eventual aplicação de sanção tributária ou acerca de determinado fato gerador, com equilíbrio entre as partes, o representante da fazenda pública desempata, em favor da União, por óbvio.
Ao contribuinte litigante cabe ou liquidar seu passivo tributário, atualizado monetariamente, ou judicializar a autuação efetuada pela Receita Federal.
Desde 2009, sempre havia sido assim, até que um “jabuti” foi inserido na Lei n°. 13.988/2020, “virando” esse posicionamento, nos seguintes termos: “Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade (…), resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte”.
Essa determinação legal encaminhou para centenas de decisões favoráveis aos devedores, numa perda bastante elevada de arrecadação, num conselho que tem mais de R$ 1 trilhão de processos a serem julgados. Com o agravante de que, sendo perdedora, a União não pode recorrer ao Judiciário, encerrando-se aí o litígio. Segundo o Ministério da Fazenda, a mudança na legislação fez disparar o estoque de processos acumulados no Carf, de R$ 600 bilhões, em dezembro de 2019, para mais de R$ 1 trilhão em outubro de 2022.
Com a mudança proposta na MP, estima-se que a União poderia ter ganho fiscal de R$ 50 bilhões em 2023, sendo R$ 15 bilhões de forma permanente, por uma “mudança de cultura” no próprio Carf, avaliam as autoridades.
Pois os representantes do “Senhor Mercado”, tributaristas e confederações empresariais estão bradando contra essa nova “virada no jogo”, inclusive com ações judiciais no STF. É matéria polêmica que ainda será debatida e deliberada nas duas Casas do Congresso Nacional.
Tentando mitigar a divergência, o ministro da Fazenda firmou acordo com a OAB no sentido de que permaneça o voto de desempate com a União, mas que se permita ao contribuinte perdedor liquidar seus débitos com expressiva redução das cominações legais. Há especialistas questionando esse acordo, por entenderem ser um evidente incentivo ao chamado “planejamento tributário abusivo” ou até à inadimplência, sem isonomia aos demais contribuintes devedores de menor porte. Matéria na pauta. Com a palavra, os parlamentares federais e, por fim, o presidente da República na sanção ou veto do texto aprovado.
*Vilson Antonio Romero é jornalista e auditor fiscal, conselheiro da ABI, membro da Diretoria Nacional do Dieese e presidente no DF da Pública Central do Servidor