Você conhece a expressão walk the talk? Ele se refere à coerência entre o discurso e ação, a pessoa ser exemplo da mudança, falar e fazer para aproximar os conceitos da prática. Soube nesta semana que esse é o comportamento esperado do perfil de um líder chamado de ecocêntrico. A expressão pode ser contraposta a um modelo anterior no qual o líder exercia a autoridade por meio do modelo comando e controle. Era o reinado da máxima “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Na sociedade contemporânea, com um sistema cada vez mais complexo a conectar tudo e todos, a lógica do líder coercitivo não tem sido uma boa escolha para as empresas.
Nos ambientes corporativos onde este modelo ainda é praticado, observa-se fenômenos como o “quiet quitting”, ou demissão silenciosa, na qual o funcionário desiste da empresa antes da empresa desistir dele ou o fenômeno do great resignation, traduzido para a grande debandada, um comportamento de crescimento dos pedidos de demissões conjuntas após a pandemia. Os empregados passaram a valorizar mais o tempo, as relações e a qualidade de vida acima até mesmo do salário monetário. A tolerância a uma situação de desgaste, com rotina cansativa e pouco gratificante, reduziu. As pressões, cobranças, excesso de trabalho e abalo emocional foram os motivos apontados, ou seja, o ambiente de trabalho adoecido era o principal motivo dos desligamentos.
Os líderes egocêntricos estimulam um ambiente de trabalho no qual os profissionais têm pouca liberdade, flexibilidade, espaço para criar. Ao mesmo tempo, o egocêntrico estimula a competitividade entre as pessoas da equipe, o puxa-saquismo e a valorização de si. O egocêntrico é vaidoso e se coloca acima da equipe, ainda que leve muitas pessoas com ele na medida em que carreira progride. Porém, se o salário mais alto envolver um teste de fogo, pressão e desgaste, a escolha pode ser outra. Os valores estão em transformação porque a sociedade está em deslocamento.
No novo contexto, a qualidade de vida, a sustentabilidade ecológica, a responsabilidade social, a governança responsável pesam na decisão das pessoas. Os profissionais se enxergam cada vez mais integrais e a escolha de onde trabalhar também envolve a construção de identidade. Na sociedade da visibilidade e hiperconexão em plataformas, a coerência entre a pessoa e o profissional é indissociável, é una, é única. A escolha pela empresa para trabalhar, prestar serviço e estar perto passa pelo compartilhamento de ideais, de visão de mundo, de desejos de futuro não para si, mas para o entorno. O líder ecocêntrico conhece o desafio de gerir pessoas e seus valores nesta nova realidade e passa a adotar um olhar sistêmico para a tomada de decisão: é bom para o líder, para empresa, para os funcionários, para o entorno?
A noção de ecocêntrico foi citada pela diretora temática do congresso CongregaRH, a gestora de Recursos Humanos Liane Malabarba, entrevistada no Vida Digital, no poastreming. Ao trazer os destaques do evento, ela citou o palestrante Ricardo Voltolini que desenvolveu o conceito de líder sustentável e suas competências atitudinais, sendo a ecocêntrica uma delas. Para o CEO da Ideia Sustentável, a liderança tem papel central na transformação das relações corporativas e precisa nutrir visões de longo prazo a partir da inovação, sustentabilidade e, principalmente, pela perspectiva positiva de mundo na qual aja para conciliar metas de lucro, saúde integral e responsabilidade social e ambiental.
A questão da saúde integral e do bem-estar nos ambientes de trabalho foi outro eixo do evento, destacado pela gestora de Recurso Humanos, Isabel Degrazia. Degrazia pontuou a importância de construir ambientes saudáveis de trabalho, diante de tantos casos de burnout ou esgotamento do trabalho. O profissional e o pessoal desconhecem barreiras e cada vez mais o indivíduo é um ser integrado a um sistema complexo no qual ele precisa lidar com desafios geracionais, técnicos, relacionais, culturais e tantos outros. Até a pauta da felicidade esteve entre os assuntos levados ao palco do encontro.
Eventos como o CongregaRH nos permitem refletir, conectar e desacomodar para olhar o mundo a partir de perspectivas múltiplas e as mesmo tempo específicas. Mais do que acelerar a transição no perfil das lideranças de egocentrados para ecocentrados, a coerência do walk the talk deveria ser o norte de líderes e liderados.
Foto da Capa: Freepik