Decisões que mudam realidades nem sempre param o mundo, e muito menos são unanimidade. Falo daquele momento em que uns gatos pingados da burguesia francesa pensaram que seria legal acabar com a monarquia. Certamente houve pobre de direita dizendo que final de semana sem fofoca da rainha ia ser sem graça, enquanto 90% da população ainda estava tentando descobrir o que era brioche.
Ou quando Oswaldo Cruz decidiu pela vacina obrigatória. Ele certamente contou com um rebanho de pares defendendo que bom mesmo era pegar a doença, com todo o resto do Brasil vivendo a vida como se nada tivesse acontecido.
Exemplos não faltam para comprovar que a visão de uns poucos pode mudar o rumo de um país. Mas não se preocupe, não vou falar de política brasileira. Quero falar de governos como propulsores de tecnologia.
Em 2015, Portugal fechou um acordo com o Web Summit – a maior conferência de tecnologia da Europa – para realizar o evento em Lisboa a partir do ano seguinte. Sob críticas ferrenhas, em 2016, mais de 60 mil pessoas aterrissaram na capital portuguesa para quatro dias de discussões e conversas sobre temas como inovação, transformação digital e criatividade.
A chegada do evento criado em Dublin – aliado, obviamente, a outras políticas educacionais, econômicas e migratórias – transformou o cenário da tecnologia portuguesa. Hoje, o país é o queridinho das big techs, que usam o território como plataforma (e, sobretudo, para captação de talentos).
Estou no evento pela quinta vez e não deixo de me encantar. Neste ano, depois do público minguado pela pandemia em 2021, são 70 mil pessoas, de dezenas de países. É uma oportunidade incrível para aprender, discutir, conhecer novidades e fazer negócios.
A cidade, sempre cheia de turistas, fica ainda mais lotada. E, exceto pelas filas quilométricas e o Uber que nunca chega, é incrível viver esse clima.
Bares e restaurantes vibrantes. Noite que não termina. Discussões em todos os idiomas.
E o melhor: tudo isso persiste. As universidades locais ganham destaque a cada ano. A indústria de inovação cresce com bons quadros e incentivos da União Europeia. Milhares de profissionais do mundo todo escolhem Portugal para viver, muitos depois de conhecerem o país no Web Summit.
E isso nasceu de uma escolha estruturada, com base em um projeto de país. Sim, ela foi alvo de inúmeras críticas, mas o governo (de esquerda) que a tomou, não apenas a manteve, mas também organizou todo um cenário para garantir o sucesso da empreitada.
Não é simples (pode parecer, depois da obra pronta) transformar um país, mas é possível.