“Não se pode, para agradar as liberdades democráticas, transformar a si mesmo em alvo a ser oferecido ao primeiro que chegar.” (Antonio Scurati em “M o Homem da Providência).
Cristiano Zanin é um dos maiores advogados desta geração. Personificou a advocacia da coragem, competência e resistência como advogado de Luiz Inácio da Silva.
Esse advogado lutou sem titubear contra os desmandos da Operação Lava Jato que arrebatou grande parte do Brasil cansada da corrupção, aquela que foi alçada à condição de salvadora da pátria pela classe média e a grande mídia. Quem fosse contra a LJ imediatamente era taxado de ladrão, pilantra e/ou corrupto e só poderia estar fazendo isso para defender suas próprias torpezas.
Sérgio Moro, juiz de carreira, parecia aquele herói improvável da Sessão da Tarde, lutando contra tudo e todos, desafiando o sistema corrupto implantado há séculos, os poderosos, daquele canto sulista esquecido do Brasil.
Seu Robin, Deltan Dallagnol, encarnava a juventude sonhadora, falava a língua da classe média, das redes sociais. Com seus powerpoints rasos, convencia as tias do zap, e todo mundo com preguiça de pensar, que o PT e o Lula foram o maior mal da história do Brasil, praticamente os inventores da corrupção. O Menino Prodígio tinha um grupo de WhatsApp consigo mesmo, onde se comparava a Jesus e projetava seu futuro como Senador da República. “-Tenho apenas 37 anos. A terceira tentação de Jesus no deserto foi um atalho para o reinado. Posso traçar plano focado em fazer mudanças e que pode acabar tendo como efeito manter essa porta aberta”, escreveu Deltan para si mesmo, em 29 de janeiro de 2018.
Como tradicionalmente acontece na Sessão da Tarde, o mocinho venceu, só que ao invés do Patrick Swayze curitibano conseguir uma festa no galpão com dança e um beijo apaixonado da conja, condenou, às vésperas da eleição, o candidato da esquerda que disputaria as eleições com Jair Messias Bolsonaro, seu futuro padrão, para delírio dos patriotas e cidadãos de bem.
Mas o Patrick Swayze não arrebatou apenas as tias do zap, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região em Porto Alegre já estava dançando alucinadamente seu novo ritmo, tão arrebatado que, em 6 meses, o processo do Lula estava sendo julgado no 2.º grau, quando a média de tempo entre uma decisão de primeira e de segunda instância na Lava-Jato era de 16 meses. TRF4: The Rápido Flash4. Como não poderia deixar de ser, a decisão de Moro foi confirmada e a pena aumentada para evitar prescrição.
No Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso disputavam a condição de lavajatista-mor, com Edson Fachin correndo por fora. Garantistas, ou simplesmente ministros que continuavam observando os direitos estabelecidos na Constituição, como Gilmar Mendes, eram hostilizados em público e taxados de sem-vergonhas, marmitas-de-bandido, pois, afinal, nada que se colocasse contra a LJ poderia prestar. Também tinham os acanhados como a Rosa Weber que compunha poesia jurídica rebuscada na Torre de Marfim enquanto a Constituição era linchada no térreo.
Em Copacabana, milhares de manifestantes “pacíficos”, a maioria branca e bem alimentada, vestidos de verde amarelo, spoilers de 08/01/2023, batiam seus pixulecos do Lula vestido de presidiário, a cara do melhor do Brasil, segundo a reportagem do Jornal Nacional.
Arrebatada pela onda patriótica em prol da decência na política, o STF resolveu autorizar a prisão em 2.º grau, apesar de expressa disposição constitucional em contrário, pois, afinal de contas, se alguém tão elevado como eles achavam isso plausível, quem era a Constituição pra pensar diferente? “-A Constituição deve ser adaptar aos novos tempos, ser interpretada com a lente do presente, atender a voz das ruas (de Copacabana!?)”, ou, em suma, confortar a visão de mundo daqueles escolhidos para defendê-la.
Convenhamos, seria uma puta sacanagem a Constituição impedir os bem-intencionados Ministros de participar dos louros da LJ por mero apego a direitos fundamentais e/ou formalidades processuais, ou os colocar como estraga prazeres com temas inoportunos como parcialidade e incompetência do Sérgio Moro.
O Brasil em transe: Lula preso em Curitiba! Caminho livre para Jair Messias Bolsonaro vencer as eleições, o patriota-cidadão-de-bem de alma lavada, passamos a limpo o Brasil.
Justa homenagem de Bolsonaro a Moro dando-lhe o superministério da Justiça, afinal de contas, uma mão lava a outra, e as duas Lava a Jato.
Então o Brasil mergulha no Bolsonarismo!
Indicado pelo seu Jair, Augusto Aras, o improvável, assume a PGR e, junto com sua fiel escudeira Lindora Araújo, não viram qualquer irregularidade do Presidente da República ligar vacina à AIDS (isso no meio de uma pandemia!), nem na interferência na Polícia Federal denunciada pelo ex-ministro-Sérgio-Moro, tampouco no vazamento de dados de inquérito sigiloso do TSE. Ora, quem nunca? Os guardiões da sociedade tampouco deram bola para ostensiva pregação de golpe de estado que culminou no 08/01/2023, chegando Aras a dizer que agiu discretamente como estratégia…
Dona Michelle comemorou a indicação do terrivelmente evangélico André Mendonça para a cadeira do STF, personagem que não existia pra vida jurídica até então, ganhou vida na mão dos Bolsonaros e é carinhosamente chamado de “meu ministro” pelo seu Jair.
Enquanto Moro, Deltan e o TRF4 prenderam Lula por causa do triplex que ele nunca havia pisado, André Mendonça mandou arquivar a investigação das dezenas de imóveis comprados em dinheiro pela família Bolsonaro, pois, apesar das escrituras, tudo não passava de um “conjunto de ilações” e que “Judiciário não pode ser instrumentalizado pelas disputas político-partidárias”, arrematou o Ministro indicado pelo presidente que fez ministro o juiz que mandou prender seu adversário.
Então o Zanin não pode ser indicado pro STF porque foi advogado do Lula?
Foda-se.
Que seja indicado, porque o Brasil real é disfuncional, e fingir que estamos no 1º mundo, ou no Estado de Direito pleno, é dar de otário para uma canalhada que usa seus cargos na magistratura e no MPF para dar golpes, fazer esquemas e maquinar projetos de poder. Lula respeitou as listas tríplices, deu autonomia irrestrita aos órgãos e aconteceu o que aconteceu. Não erre de novo. Vivemos na selva.