Ano praticamente acabando, todos tentando zerar lista de compras, presentes, tarefas profissionais ou acadêmicas, metas não cumpridas, compridas demais. Sabemos que nada zera como o calendário, 24 horas ou 365 dias.
A vida é esse continuum desesperado e poético. Ora feliz, ora angustiado. Ora entusiasmado, ora desalmado. Mas a pulsão para a vida nos impele, em nossa maioria – ainda bem – a seguir.
Li no inicio do mês um texto incrível da Mirian Goldenberg que me impressionou muitíssimo em sua simplicidade e profundidade. Nele, ela conta sobre um sonho que teve dias antes do seu aniversário, em que uma escritora a diz, em tom profético: “Tem que zerar para encontrar o que você realmente quer.” Em seguida, Mirian conta sobre o incêndio que ela enfrentou junto ao marido no prédio em que viviam, onde, ao serem os últimos resgatados, no telhado, os bombeiros a orientam a entrarem rapidamente no que restou do apartamento e recolherem o que desejassem, pois o prédio seria evacuado.
Ela então descreve os objetos que salvou: canetas que usava para escrever, um caderno, seus óculos e o telefone. E conclui o texto relacionando seu sonho com esse evento traumático do incêndio, pensando em tudo que zerou e o que ela decidiu salvar e o que de fato resta quando tudo zera. Ela relembra a questão que diz já ter se feito por diversas vezes, que confesso também eu já ter feito também: se minha casa pegasse fogo, o que eu salvaria? O que nos é mais caro? O que é de fato insubstituível?
Ao ler o texto de Mirian, emocionei-me ao final quando ela afirma o quanto essa experiência a fez marcar a escrita como sua salvação, tal como Clarice Lispector (motivo pelo qual o caderno e as canetas fossem seus objetos eleitos para o resgate). Lembrei também de uma frase que sempre guardo e que sempre me intrigou, de Jean Yves-Leloup: “Se minha casa pegasse fogo, eu salvaria o fogo”. O que significa isso? O que o fogo faz? Talvez pensar que nada resiste a ele, que tudo pode em instantes tornar-se cinza e pó seja algo que nos faça prestar mais atenção na utilidade por trás dos objetos, no motivo de acumularmos o que acumulamos. Eu entendo salvar o fogo enquanto salvar a nossa força vital, salvar o sentido. Eu tento, também, salvar meu fogo, mesmo aqui sentada no conforto do meu lar-ilusão, íntegro demais.
Zerar a vida é uma expressão usada também quando algo muito incrível acontece, algo muito desejado. “Zerei a vida”. Eu mesma já usei essa frase algumas vezes. O texto de Mirian fala de um zero enquanto ausência total, desprendimento e perda. Talvez não sejam tão diferentes assim. Zerar o desejo também é perda. Zerar uma casa, zerar um sonho, ver tudo reduzido a cinzas para poder recomeçar. Ninguém começa do zero, nem um dia, nem um ano novo. Tudo um eterno recomeço e retorno. Às vezes lembrar disso é um tormento Nietzschiano, às vezes, uma libertação.
“Tem que zerar para encontrar o que você realmente quer”.
Foto da Capa: Freepik