Você se escandalizou quando o desprezível ex-ministro contra o Meio Ambiente falou sobre aproveitar a pandemia pra “passar a boiada” numa reunião do desgoverno no recente quadriênio quadrúpede? Imagino que sim, até porque o cara nem corou ao manifestar tamanha maldade durante encontro oficial e na presença de altas autoridades policiais.
Eu me escandalizei. E muito!
Escandalizei-me da mesma forma quando semanalmente via figuras fazerem alusões nada sutis ao nazismo e, num caso escancarado de eugenia, uma funcionária da área econômica falou (e foi gravada) que a pandemia aliviaria os cofres da Previdência ao matar fracos e idosos. Impressionante a eficiência! Nem precisa de reforma previdenciária.
O quadriênio quadrúpede foi todo um escândalo.
Mas o fato é que a boiada ainda passa diariamente bem na nossa fuça.
Pelo menos as altas autoridades policiais agora se escandalizam como nós e põem em prática sua contrariedade. Basta ver que indígenas em situação dramática de miséria e trabalhadores escravizados voltaram a ser vistos como são: um escândalo. E o escândalo provoca reações. Como é bom saber que as autoridades voltaram a ser bípedes.
Outro dia, escrevi aqui na SLER uma coluna sobre o paradoxo de a tecnologia avançada nas comunicações conviver com péssimos serviços. Evitei dizer que o motivo é o capit… ops… a ganância. Vou evitar dizer que é o capitalismo, porque minha crítica a esse sistema vai me jogar na vala comum dos “comunas” e “petistas”, quando sou socialdemocrata e apartidário.
Ainda bem que eu não disse.
Mas perceba. Quando você queria ver o jogo do seu time na era analógica, era só ligar o botão na TV aberta e pronto. Hoje, precisa ter assinatura de TV a cabo e, dentro da assinatura de TV a cabo, precisa ter o première. Na coluna mencionada acima, eu usei a figura da cebola com suas camadas e ainda comentei: de chorar! Deu pra sacar o jogo de palavras?
É de chorar. Chorar num canto, tal a nossa impotência.
A boiada vai passando. O tempo todo.
Só não digo que é vida de gado porque não sou gado.
Pelo menos ando em duas patas e penso.
Quando o cara telefona pra uma empresa ou instituição, e um robô começa a dizer pra apertar nesta e naquela tecla em eternos minutos que nos põem em passividade bovina, ora, é a boiada passando. Pôr uma gravação robotizada é mais-valia zero! A voz gravada nem pega gripe, não fica rouca, não tem férias, não reclama e também não conversa contigo.
Uma beleza!
Quando o cara espera urgentemente um diagnóstico que vem pelo PABX do hospital, ele não sabe o número que vai aparecer no visor, atende ansioso e… “Oi, Leonardo Greishmov. Tudo beeeem?!!!! Tenho um dinheiro pra ti. Parabéns!!! Vamos conversar sobre essa grande oportunidade pra você resolver seus problemas financeiros…” Rapaiz! Socorro!
Lindo de ver tamanha intimidade!
A gente nem se dá conta que o número do celular deveria ser restrito.
A invasão é permanente e naturalizada.
E o gado passa.
A boa notícia é que, ufa, não era um golpe.
Hmmm. Em termos, né?
E o aeroporto? Por algum critério certamente urbanístico e isento de interesses ocultos, não se pode parar nem estacionar na frente do aeroporto, mesmo que seja só para deixar ou buscar alguém e pôr as malas no bagageiro ou tirá-las. O estacionamento está ali pra isso, ora. Fico imaginando a grana que esses caras ganham diariamente com esse serviço inocente.
O gado pula porteiras e cancelas!
E assim segue a vida, com paisagens de abusos que se incorporam à nossa rotina.
Muuuuuu!!!
Já teve até leite adulterado e merenda vencida.
São os mesmos que escravizam e defendem o fascismo.
A trilha sonora podia ser aquela música do Zé Ramalho.
Povo marcado e povo feliz.
A gente grita “não passarão!”. Mas eles estão por aí, passando e dando risada.
Pelo menos ando em duas patas, penso e escrevo.
No mínimo, é um consolo nessa distopia macabra.
Shabat shalom!