Sou testemunha privilegiada da decadência vertiginosa do Rio Grande do Sul, que deixou há muito tempo de ser modelo a toda a Terra, infelizmente.
(sim, houve tempo em que éramos padrão cultural e educativo).
Quando eu era repórter do jornal Folha de S. Paulo aqui em Porto Alegre (foram 11 anos nesse trampo), vi essa degradação institucional de uma posição privilegiada. Nem vou me dar o trabalho de elencar os atuais deputados estaduais e federais, cujos líderes de voto são os irmãos Zucco, com seu reconhecido viés militar.
Mas falemos de passado, porque é melhor, da esquerda à direita: a Assembleia Legislativa tinha parlamentares como Flávio Koutzii, Marcos Rolim, Raul Pont, Ivar Pavan, Beto Albuquerque, Bernardo de Souza, Carlos Araújo, Sergio Jockymann, Renan Kurtz, Mendes Ribeiro Filho, Germano Bonow, Guilherme Socias Villela, Jarbas Lima e outros.
Me caiu uma lágrima aqui. Era início dos anos 1990, e eu engatinhava no Jornalismo.
Eu convivi com esse timaço, e isso era normal.
Agora dê uma olhada, nome por nome, na atual composição da AL.
Vá ao Google, porque aqui eu não tenho a disposição de citar tantos nomes deprimentes.
…
Quem olha minha trajetória profissional como autor de sete livros que tratam de diversidade no meu time de futebol talvez até estranhe o comentário que faço sempre e que volto a fazer aqui: a imbecilidade da tão alardeada (e ridícula) rivalidade Grenal é uma grande representação dos motivos que nos levaram a essa decadência.
Obs: meus livros são reportagens sérias e só trabalham com fatos.
E tem um episódio que foi marcante na minha vida: eu estava num show do Gonzaguinha no Teatro Leopoldina (depois Teatro da Ospa) quando ele citou o nome da Elis. Todos em silêncio. E ele comenta: “Em todos os lugares aonde vou, falo o nome da Elis e o auditório vem abaixo com os aplausos.” Foi constrangedor, mas só então a plateia aplaudiu.
Gonzaguinha fez um muxoxo e continuou a apresentação.
…
O gaúcho, além de ser polarizado por tradição, ainda costuma ser o tipo que deseja o mal do outro acima do seu próprio bem. É de uma tristeza exasperante a forma como depreciamos o que temos de bom e, em algumas ocasiões, tratamos de desconstruí-lo.
Dizem que a rivalidade Grenal é a maior do Brasil. E tem imbecil que ouve isso e acha lindo. Pior é esse orgulho, porque deveríamos nos envergonhar.
O torcedor dos nossos clubes vibra às vezes mais com o insucesso alheio do que com o seu próprio sucesso. Ocupa-se de desmerecer as glórias que o outro conquistou. Chega ao pondo de tentar uma lacração do adversário imputando-lhe calúnias.
O diálogo existe entre adversários. Entre inimigos, não é possível.
E o clima no futebol não é propriamente de rivalidade, é de inimizade.
Do meu lugar de fala gremista, cito em especial o uso de tema tão sério como o racismo para pespegar uma etiqueta horrenda na nossa testa, quando basta o tico falar com o teco para vermos que o racismo permeia toda a nossa sociedade, assim como o fascismo, a homofobia e outros horrores. Mas o sujeito vai lá e reduz o problema ao clube rival, atribuindo-se a si próprio uma propriedade da virtude própria de garotos no pátio da escola.
Vocês não imaginam o vespeiro em que mexi por contar, com fatos e pessoas de carne e osso, a lindíssima pluralidade e a intensa negritude do meu clube, que nunca foi uma seita germânica adoradora da raça ariana – muitíssimo pelo contrário (Adão, Bombardão, Lupi, Salim, Antunes, Everaldo, Tarciso, Coligay são a prova viva dessa lindeza toda do clube fundado pelos “alemães” Cândido Dias da Silva e Joaquim Ribeiro).
Mas, enfim, essa dificuldade de convivência e diálogo, essa falta de disposição para exercitar a empatia, explicam por que o Estado chegou no ponto em que chegou. Não tenho dúvida disso. O cara nem reflete sobre o que está fazendo. É irracional. E é muito daninho.
Ao destruir o vizinho, detona o próprio ambiente.
…
Shabat shalom