A polarização, que, muitas vezes, provoca debates políticos com a profundidade de um pires, chegou ao jornalismo enganchada numa notícia que, muito bem, poderia ter sido tratada como uma falha administrativa, embora grave. Na semana passada, o Estadão reportou que a cidadã amazonense Luciane Barbosa Farias (foto da capa) fora recebida em audiências por quatro dirigentes do Ministério da Justiça.
Depois, veio a notícia de que Luciane, que se apresenta como presidente de um Instituto Liberdade Amazonas, também participara, indicada pelo Comitê Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura do governo do Amazonas –, com direito a passagens e diárias pagas pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania –, do Encontro de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura também em Brasília, nos dias 6 e 7 de novembro.
As notícias dos périplos de Luciane pela Esplanada dos Ministérios ganharam repercussão em vários veículos Brasil afora. Afinal, ela não é uma cidadã qualquer… Luciane, segundo o Estadão, recorre em liberdade contra uma condenação a 10 anos de prisão por associação para o tráfico, organização criminosa e lavagem de dinheiro. O marido dela também é famoso no norte do país. Clemilson dos Santos Farias, ou Tio Patinhas, cumpre pena de prisão condenado por tráfico de drogas e é tido como líder do Comando Vermelho no Amazonas.
Mas não são as folhas corridas de Luciane e do marido dela que eu quero tratar aqui. Nem o portfólio do Instituto Liberdade Amazonas que, segundo o Estadão, com base em documentos do Ministério Público amazonense, é a lavanderia de dinheiro do Comando Vermelho.
Afinal, o fato de ser condenado não é impeditivo para que alguém peça audiência em repartições públicas, nem muito menos, lute contra a tortura, embora uma condenação talvez dificulte o pagamento de passagens aéreas e diárias com dinheiro púbico ao condenado. Luciane virou notícia porque algum burocrata esqueceu de, ou não quis, avaliar os currículos dos indicados para as audiências e para o encontro de combate à tortura…simples assim.
O que me espanta mais nisso tudo são o tratamento e as interpretações das notícias em função da posição política de quem lê. E quem escreve…E quase todas, como eu disse lá em cima, com a profundidade de um pires. Para uns, as idas de Luciane à Esplanada dos Ministérios aproximam o ministro Flávio Dino – que não passou nem perto dela – do crime organizado e apontam para uma suposta ligação da esquerda com o banditismo… Para outros, o noticiário é coisa de jornalista fascista que quer prejudicar Dino e, por consequência, todo o governo do presidente Lula. Aquela coisa de “tá comigo, tá com Deus.”.
Não bastasse isso, Luciane, agora, é pivô de uma desavença entre jornalistas do Estadão. Incomodados com as orientações e cobranças da chefia, a quem acusam de direcionar a cobertura para prejudicar o ministro Flavio Dino, repórteres apresentaram denúncia de assédio ao Ministério Público do Trabalho. Os denunciantes, segundo o Portal 247, citando a Revista Fórum, se dizem coagidos “a produzirem(sic) notícia sensacionalista envolvendo o ministro Flávio Dino e uma mulher apresentada como a dama do tráfico do Amazonas”.
E aqui abro parênteses: o post do 247 não diz quem é a “mulher apresentada como dama do tráfico do Amazonas” para não precisar explicar que Luciane Barbosa Farias – condenada a 10 anos de prisão – foi recebida por quatro dirigentes do Ministério da Justiça, ou por um erro de apuração do autor da reportagem?
Fecho e volto.
E essa confusão toda tem origem na falha de um burocrata que não se deu ao trabalho de perguntar ao doutor google quem é Luciane Barbosa Farias…
É muita areia para o caminhãozinho da Luciane, ou muito sabão para a lavanderia dela, não?
E os jornalistas insatisfeitos com a chefia, não fariam melhor acionando o sindicato? Há algum tempo, isso era gancho para convocar assembleia…
E ficamos assim: uma jornalista denunciada ao Ministério Público, repórteres denunciantes provavelmente desempregados (ou foram demitidos, ou pediram demissão, a não ser que a denunciada já tenha sido demitida…), os ideólogos de um lado e de outros, sem nenhum constrangimento, esgrimindo seus rasos argumentos, o burocrata que não conhece o google fazendo o pouco que sempre fez e a Luciane circulando por aí enquanto aguarda o julgamento do recurso contra a sentença – em segunda instância – que a condena a 10 anos de prisão. Pobre jornalismo, nova vítima dessa triste polarização que nos assola desde 2018…
Foto da Capa: Reprodução de rede social