Ando num dilema em relação à minha trajetória profissional. Tudo começou quando terminei o ensino médio e tive que escolher uma faculdade. Para os meus pais era inconcebível que eu começasse a trabalhar enquanto não estivesse formada. Por teimosia minha, fiz alguns “bicos”: loja, eventos, traduções, dar aulas… Epa, dar aulas podia ser algo rentável… E foi assim que mudei de curso, depois de dois anos de Direito, para Letras. Também fiz um ano de Dança e um ano de Osteopatia, mas Letras foi o único que concluí. Enfim, fiquei anos sendo professora, porém ultimamente sofro de um desencanto pela profissão… Gostava de dar aulas para turmas, de modo presencial. Na pandemia, a minha única saída foi dar aulas privadas, de modo virtual. No pós-pandemia, mudei-me para Portugal e dar aulas de português para estrangeiros deixou de fazer sentido…
Também sempre flertei com Comunicação. Até hoje não entendo porque não escolhi esse curso. Consigo me imaginar em várias das suas vertentes: redação, rádio, tv, publicidade… Aliás, podem até achar que estou exagerando no que vou dizer, mas é real: acho que um dos motivos de não ter cursado Jornalismo (assim se chamava na época) foi a falta de referências femininas. Sim, eu sei, podia ter me agarrado a algum grande exemplo: Glória Maria, Fátima Bernardes, Sandra Annenberg, Ana Paula Padrão… Mas o fato é que ainda hoje, se eu falar “educação”, o mais provável é que venha primeiro à sua cabeça uma professora, mulher, a “tia” do jardim; ao passo que se eu falar “jornalismo”, possivelmente vem primeiro o William Bonner ou outro de terno e gravata.
Tenho acompanhado muitos podcasts sobre empreendedorismo feminino e maternidade. Estou viciada até. Que orgulho de ser brasileira nessa hora. E que vontade de entrevistar, de palestrar, de colocar as minhas ideias para o mundo, de criar espaços e dar voz a muitas outras mulheres…! Sendo imigrante, ainda me custa pensar a longo prazo. Todos os dias me pergunto se o máximo a que poderei aspirar são empregos de salário mínimo e ver pouco a pouco os meus sonhos esmagados, tingidos de cinza, fazendo companhia aos cursos que não terminei… Meu caminho ainda parece uma colcha de retalhos de cores completamente diferentes. Queria muito ter uma previsão mais otimista, mas sinceramente, como se faz uma transição de carreira? E num país onde muitas pessoas se acham donas da língua? Onde o meu sotaque me denuncia, como uma “mancha”.
Talvez escrever seja a salvação, pois cada um que leia com o seu próprio sotaque. Talvez seja uma forma de voltar a sonhar. Talvez o primeiro julgamento tenha sido o da Cecilia jovem adulta, que não confiava o suficiente naquilo que tinha a dizer. A Cecilia de quase 35 anos ainda tem, mais vezes do que seria sensato, o fantasminha da autossabotagem. E todos os dias precisa se reeducar. E se convencer de que a rejeição acontece quando direcionamos o discurso a um público que não está pronto para ouvir. Mas do outro lado da tela (“ecrã”, dizem cá, como os franceses) pode sim haver alguém ávido a ler e a enxergar o mundo com os meus óculos emprestados.
*Cecília Nascimento é brasileira em Portugal, como tantos. Professora, comunicadora, atora… Não, quer dizer… Atriz, meretriz… Ah, esquece. Escrevo que é pra ver se o coração aquece… (@cecialmeyda.ok)