Não adianta: o assunto se impõe e é inesgotável, até porque são inesgotáveis os argumentos que, contestados com fatos sobre fatos, se assemelham àquelas bexiguinhas que o cara aperta numa extremidade, mas a outra se infla, cheia de ar. Também é inesgotável porque os sedizentes humanistas e intelectuais tentam apagar os judeus e sua identidade, totalmente desprovidos de empatia, esculhambar a sua identidade, provocando muita dor, muita tristeza, muita angústia. Mas não adianta: o preconceituoso se desumaniza mesmo que se arvore o dono dos bons sentimentos e se acha no direito de fazer isso sem em nenhum momento refletir sobre quão nocivos são os seus atos e frases levianas (tipo a genocida “do rio ao mar”).
Eu vi 10 minutos de uma palestra com extensão total superior a uma hora (mais que isso seria de uma toxicidade insuportável) que me azedou o início de ano, quando tento esquecer a existência do antissemitismo pra tentar respirar o ar justo e sadio da minha família e dos meus amigos.
Era um acadêmico (acho que historiador) argentino falando com ar de superioridade moral e intelectual sobre Israel. Resumo do absurdo: os judeus, segundo ele, são intrusos, foram treinados pelo Eichmann (sim!) pra colonizar e eliminar os árabes num “genocídio” tal qual os nazistas fizeram com eles próprios, nem sequer são semitas, inventaram o Hebraico (que não existia), rezavam em iídiche, um idioma germânico (iídiche é mistura de alemão e hebraico e era falado pelos judeus da Europa Oriental) nas sinagogas, viajaram em navios depois da segunda guerra (citou o Exodus) porque, com razão, ninguém os queria.
Ai!
Juro! Um historiador ou acadêmico de outra disciplina da área humanística (no caso dele, “humanística” apenas em tese).
O próximo passo do sujeito seria sugerir câmara de gás como solução final para erradicar pessoas tão inadequadas em qualquer canto do mundo.
Estava quase chegando nisso! O cara conseguiu dizer 100% de barbaridades fragilíssimas, destroçáveis diante de qualquer contraponto minimamente bem informado. Em tese, deveria até ser ignorado. Mas o grande problema é que um imbecil desses tem público. Um bando de abobados certamente viu o cara falar sacudindo a cabeça mecanicamente em aprovação.
O malandro antissemita tenta, a cada letra do seu discurso perverso, apagar a etnicidade do grupo étnico mais antigo e resiliente da humanidade. É brutal! E precisamos conviver com tamanho racismo antissemita como se fosse mero “debate de ideias” – diga absurdos semelhantes a um negro que é vítima da violência do racismo estrutural. O cara vai se revoltar, com razão.
Tenho dito: diante da impossibilidade de apagar fisicamente os judeus, os antissemitas repaginados como “antissionistas” procuram atingir esse objetivo por meio da semântica.
Eu me imaginei debatendo com esse cara e percebi que a figura da bexiguinha é mais apropriada do que eu pensava, porque, além de o ar encher o extremo oposto daquele que a gente aperta com bons argumentos, isso acontece infinitamente.
Mas ao debate:
Diz ele: os judeus são colonizadores e genocidas.
Digo eu: os judeus foram expulsos daquele local no ano 135 da Era Comum e desde então nunca conseguiram ser aceitos em lugar nenhum, passando pelas mais cruéis perseguições. Alguns inclusive permaneceram na antiga Judeia, rebatizada ardilosamente pelos romanos como “Palestina” (palavra que remete aos filisteus, seus inimigos bíblicos) no momento da expulsão. Quando houve a recriação de Israel em 1948, havia uma partilha para que ambos os povos originários (judeus e árabes) tivessem seus Estados. Mas foram os árabes que não aceitaram essa solução. E atacaram diversas vezes. Podemos discutir a intensidade da reação israelense diante do pogrom violentíssimo ocorrido no 7/10, mas jamais negar a legitimidade dessa reação, mesmo que feita por um governo repulsivo (é o caso do Netanyahu. Ele é um fascista asqueroso como outros que andaram e andam por aí). E “genocídio” é palavra criada justamente diante da dizimação industrial e proposital do povo judeu. No caso de Israel com os palestinos, quem tem o propósito genocida, explícito e literal, é o grupo terrorista Hamas.
Diz ele: ah, para! Sionismo é racismo.
Digo eu: sionismo é o movimento de autodeterminação do povo judeu e existe em diversas vertentes, da direita à esquerda.
Diz ele: os judeus askenazim, que estavam na Europa Central e Oriental, na verdade, não são semitas. Descendem dos kazaris, na Alemanha. E o hebraico é uma língua inclusive inventada.
Digo eu: se alguns kazaris se converteram ao judaísmo no século 8 (essa é a tese), veja bem, isso faz 13 séculos. O Brasil sequer sonhava em existir como país, por exemplo. E, de mais a mais, o fato de algumas pessoas se converterem (que legal! Sejam bem-vindas!) não tira a legitimidade dos judeus que viviam por lá depois de terem sido expulsos do seu lar, sempre fazendo suas rezas voltados para Jerusalém, como ocorre há 4 milênios, numa relação de laços indestrutíveis e inquestionáveis. Ah, e vários testes genéticos com askenazim mostram o vínculo com o Oriente Médio. Opa, já ia me esquecendo: o hebraico sempre existiu nas sinagogas e era e é o idioma das rezas, e o iídiche é uma mistura de alemão clássico justamente com o hebraico, algo natural para um povo que adapta seus costumes ao local onde precisa viver.
Diz ele: não existe povo judeu. Aqueles caras da Europa não são semitas. Semitas são só os que já viviam no Oriente Médio.
Digo eu: primeiro, o judeu é um grupo étnico-religioso (veja a definição de “etnia” no dicionário, é a tradução exata do povo judeu, com sua cultura, origem, história etc. comuns) que, ao ser expulso da sua terra, se viu obrigado a se espalhar pelo mundo numa diáspora crudelíssima. Os seus inimigos antes costumavam falar nos seus traços físicos e tratá-los como raça (um conceito que biologicamente não existe em se tratando de humanos). Até que refundamos Israel. Aí, tudo virou ao reverso, porque as circunstâncias assim exigiram. O que era “raça” nem “povo” agora é. A perversão dessa bexiguinha é espantosa!
Diz ele: tá bom. Nem Jesus era judeu! Era palestino e estaria entre as vítimas dos malvados sionistas.
Digo eu: como assim?! O “rei dos judeus” (era o que constava na cruz) não era judeu? Como se explica que a Santa Ceia era o jantar de Pessach? E, enfim, quando Jesus vivia não havia nem cristianismo, muito menos islamismo e, muito menos ainda, palestinos. Você tem certeza de que é professor de História?
A conversa iria por aí. Chegaria no ponto em que ou ele se renderia aos fatos (muito improvável) ou admitiria que, no fundo, era uma boa ideia a solução final dos campos de extermínio para esse povo tão indesejado. Afinal, ninguém o quer na sua diáspora e ele não tem direito ao seu lar.
Sobra o quê? O forno crematório, talvez.
…
O diálogo acima é fictício e jamais seria possível.
Por quê? Porque um ignorante desses não existe?
Ora, nada disso! O cara é real (eu realmente vi o início dessa live criminosa revestida de “humanista”), e existem outros como ele, aos montes, exasperantemente disseminados, inclusive entre parlamentares e presidentes de partidos políticos.
É que eu jamais debateria com um racista antissemita, assim como acho justo um negro se recusar a tratar como “debate de ideias” a discussão com um canalha racista ou um homossexual achar legítimo perder tempo com um ogro homofóbico.
Quando alguém nega a legitimidade dos judeus ao seu lar ancestral (Israel, o único lugar no mundo onde o judeu não é minoria, não precisa se sentir diferente e pode ter ao natural sua cultura e seus costumes), não vejo o diálogo como algo possível. O ideal seria procurar a delegacia mais próxima.
Leia outros textos sobre esse assunto:
>> Antissionismo é antissemitismo
>> Os poréns seletivos que constroem narrativas desonestas
>> Compreenda o conflito israelo-palestino
>> Efeitos do antissemitismo estrutural
>> Não é preciso fazer montagem
>> A invisibilidade dos israelenses
>> Só se aperta a mão de quem a estende
>> A maldade independe de ideologia
>> Presidente Lula, enxergue-nos
>> A esquerda burra dá vida à extrema direita
>> Mais atenção às palavras
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O Vídeo do Atlético de Madri
Mudando de assunto, vou falar um pouco sobre futebol. Como inimigo que sou da alardeada “rivalidade Gre-Nal” (argh!), porque acho o meu Grêmio lindo e não tenho motivos para não admirar as belezas e glórias dos adversários, AMEI o vídeo do Atlético de Madri, em que o motorista torcedor do Atlético leva em seu táxi um senhor de idade, cognitivamente atrapalhado, torcedor do Real Madri e fã do Di Stefano. A delicadeza do taxista traduz o que sempre prego: por que não reconhecer a beleza alheia? Quanta beleza e vida eu desperdiçaria se não admirasse figuras como Figueroa, Falcão, D’Alessandro e Fernandão! Cairia um pedaço do meu corpo porque esses caras vestiam camiseta de cor diferente da minha? O torcedor médio é um nazistão. Que lindo o gol do Figueroa no pioneiro título brasileiro colorado de 1975, ainda com outra denominação, fórmula e entidade organizadora (CBD); que lindos os gols do Renato no pioneiro título mundial do Grêmio em 1983, com o icônico nome de Copa Intercontinental e acompanhamento da FIFA à organização de UEFA e Conmebol praticamente com a mesma fórmula, que agora voltará a ter o nome anterior. Uma das minhas grandes brigas é pelo respeito ao outro e pelo não apagamento da história alheia. É feio apagar o outro!
Bons entendedores entenderão.
Aprendamos a compartilhar diferenças e conviver sadiamente.
…
Shabat shalom!