Com a propriedade de sempre, a jornalista e escritora Lelei Teixeira, em crônica recente, saúda a profusão de lançamentos e tardes de autógrafos nesse agosto de 2024. “Momentos afetivos e alegres que proporcionam bons encontros e boas conversas, além do prazer que dá ver tanta gente escrevendo e lendo.”
Uma especial e algo velada referência também ao livro físico. “Há aqueles que não podem imaginar o mundo sem pássaros; há aqueles que não podem imaginar o mundo sem água; ao que me refere, sou incapaz de imaginar um mundo sem livros”, escreveu Jorge Luís Borges. – Lelei e eu concordamos contigo, Jorgito!
Um objeto que não irá ser substituído, a não ser que queimemos até a última árvore. Restarão as pedras, dirá alguém. Mas, provavelmente, só as pedras e o veneno da água e do ar. O “mundo sem livros” de Borges soa ainda mais contundente: mundo sem mundo. Nada restará, nem para uma rima fácil de um Raimundo qualquer.
Por esses dias, os noticiários mapeiam focos de incêndio e o mapa do Brasil parece reproduzir o do rancho Ponderosa, em Lake Tahoe, próximo de Vírginia City, Nevada, Estados Unidos.
A imagem servia de abertura para Bonanza, uma série televisiva de faroeste americano. O ator Lorne Greene, no papel de Ben Cartwright, um viúvo, pai de três filhos de mães diferentes, sempre em defesa da sua família e com uma moral de justiça que empolgava a gurizada de então.
Os contemporâneos que chegaram até aqui na leitura, devem estar cantarolando o tema que anunciava o seriado. Aos demais sugiro que procurem no YouTube ou em alguma gravação de Johnny Cash e terão uma vaga ideia da maneira que aquela melodia nos laçava ao olhar fixo nas telas daqueles primeiros televisores.
Alguém comenta sobre as inevitáveis ilações e liames que associam as queimadas a outros atos criminosos, como os daquele famigerado oito de janeiro. Em seguida, passa-se ao alerta do presidente da Organização das Nações Unidas, António Guterres, direto da Polinésia, mais especificamente de Tonga. A previsão é de uma catástrofe mundial com a elevação rápida dos níveis dos mares.
Pego o livro que está sobre a mesa da sala. Título em aberto: “Sentimentos são”. Pragmatha Editora, 2023. A autora, Tania Vernet. Releio poemas que compartilham indagações, reflexões, memórias, tipos e… sentimentos. São especiais as referências ao passado, à infância e à juventude da poeta, em Bagé. Os Recuerdos del Uruguay, de Doña Begoña; a biblioteca de remédios do Seu Salim. Por momentos, esqueço apreensões minhas e associo-me às de Dona Síria que tinha muita preocupação com a Capital, onde é fácil de se perder e aí, babau.
Fico me perguntando se ainda vive o Balança, aquele homem faxineiro, que “também era mandalete das prostitutas e costumava levar marmita para presos”. O apelido trazia do “hábito estranho de oscilar de um pé ao outro, mexendo os braços sem destino enquanto alguém falava com ele”.
Há horas em que se inveja a inocência de gente como o Balança. Quando se fazem previsões nefastas de universo em agonia, enquanto agem desvairados, munidos de fósforos e idiotia ideológica. Vem à lembrança os versos do poeta e dramaturgo T. S. Eliot (1888-1965): “Nós somos os homens ocos. Os homens empalhados. Uns nos outros amparados”.
Ainda no livro da Tania Vernet: “Aquilo em que acreditamos tomaram-nos os homens sem honra nem memória. Sofridos caminhos por onde andamos na madrugada escura que acreditávamos amanhecer. Nem a luz se fez, nem o verbo falou. Deixamos para trás o que nossas mãos modelavam e enfrentamos o novo tempo – a penitência. Cinzas sobre a cabeça. Panos longos em volta das imagens. À espera do terceiro dia. Nenhum de nós merecia a dor dessa renúncia e talvez não saiba como reerguer templos destruídos”.
Em outro poema, a escritora parece premonitória, ela junta “fogo, água, lama e desencanto”. Termina conclamando: “juntemos nossos braços a outro braço e caminhemos juntos, exigindo o que não nos é dado”.
É preciso crer que nem tudo está perdido, livros como o da poeta Tania Vernet fazem lembrar que não se pode apenas oscilar de um pé ao outro e mexer os braços sem destino. Faz falta algo tipo “pra não dizer que não falei das flores”.
Principalmente quando bate o desânimo, um banzo de pedir para a mãe uma fatia de pão com manteiga e açúcar e um toddy. Dá vontade de sentar no chão para assistir Bonanza e mandar esse povo incendiário pra tonga da mironga do kabuletê.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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