Na última quinta-feira, dia 11/7, cheguei aos 60 anos. Juro que me sinto muito mais perto dos 20 do que dos 80, mas aí entram algumas questões até geracionais. Acho que a minha geração, forjada em meio a uma ditadura militar e à Revolução Cultural, é eternamente jovem. E é assim que me sinto, podem crer.
Mas, agora há um dia de ter feito 60 (esta coluna está sendo escrita na terça por um cara de meia-idade, aos 59, mas será publicada na sexta, por um jovem idoso de 60), digo que minhas reflexões fazem eu me sentir a protagonista de um filme muito bacana, que teve origem no Chile com o nome de “Sem filtro” e foi refilmado na Argentina (“Reloca”) e no Peru (“Recontraloca”).
Abro parênteses para comentar que os 60 de hoje são os 40 de antigamente no sentido emocional, até porque a expectativa de vida aumentou, a saúde tem recursos cada vez maiores e, enfim, o mundo em que vivemos passou por intensas evoluções comportamentais. Logo, estou no meio da “crise dos 60”.
Mas, voltando ao enredo do filme e suas refilmagens, a divertida história é muito apropriada ao meu momento e ao contexto de todos nós. A publicitária (que na versão argentina é interpretada pela maravilhosa uruguaia Natalia Oreiro – foto da capa – contracenando com elenco entre os quais está o também espetacular Fernan Mirás) tem um casamento em que seu papel é de total invisibilidade, com um marido distante em seu mundo e um enteado totalmente sem noção; no trabalho, mesmo com apenas 38 anos, vê a agência publicitária onde trabalha a tornar obsoleta quando troca o conteúdo pela frivolidade “engajadora” e lucrativa de uma “influencer”; no trânsito automotivo, sente a grosseria e o egoísmo cotidiano; no contato com a operadora de internet, se vê envolvida no labirinto impessoal do atendimento mecânico; na relação com a melhor amiga, se vê preterida pela atenção desta ao WhatsApp do celular; na vida, a burocracia. Um inferno! Até que ela estoura e grita “chega!”
O “foda-se” da protagonista se resume ao encontro com uma espécie de curandeiro, que lhe faz uma recomendação simples: não tolerar o desrespeito e o insulto, responder às ofensas, falar na cara o que precisa ser falado, se valorizar. Enfim, o “foda-se”.
Agora vamos à vida real: o curandeiro é o tempo, e as suas resoluções são o próprio saco cheio de conviver com a brutalidade cotidiana do cara que olha para um lado e vê fascistas, olha para o outro e vê antissemitas; do cara que recebe telefonemas de 10 em 10 minutos dos telemarketings exasperantemente inconvenientes e abusivos (a foto abaixo é do meu celular); do cara, enfim, que vive tudo o que a ficção do filme nos apresenta, tudo muito real e comezinho, tudo naturalizado numa triste paisagem aceita bovinamente.
Poucos anos antes dos meus 60, eu já me afastei de quem me faz mal, já expurguei da minha vida as relações tóxicas, já lacrei, já resolvi mandar longe os abusivos, desrespeitosos e sem noção, já decidi anular o voto caso a opção seja entre um fascista e alguém que me ignora e odeia (a mim = à minha etnia). Acho que as lições do curandeiro serão cada vez mais acatadas, naturalmente. Na ficção, um personagem simplifica algo que é abstrato: o “curandeiro” de todos nós é a vida, a noção do quanto ela é enorme e, desgraçadamente, ao mesmo tempo em que é tão linda, também é tão breve. O tempo nos ensina o autorrespeito, como um poderoso medicamento orgânico.
…
PS: não deve ser coincidência, mas estou lançando, com a chegada dos 60, um livro catártico: “A cronologia do Alef Bet – O abecedário judaico contra a ignorância e a maldade do antissemitismo” (SlerBooks). É um grito contra o preconceito naturalizado por narrativas mainstreans autorizadas até por uma pretensa intelectualidade. O lançamento será dia 23 no Café Cultura (Pátio 24). Na próxima semana, esta coluna trará detalhes.
…
Shabat shalom!
Foto da Capa: Reprodução do filme Reloca
Mais textos de Léo Gerchmann: Clique Aqui.