Diante da incompreensão relativa a Israel e ao termo “sionismo”, movimento libertador de autonomia nacional, a Federação Israelita do RS (FIRS) lançou anos atrás uma “cartilha educativa”, elaborada pelo meu querido amigo e professor de cultura judaica Ilton Gitz, em que expunha didaticamente elementos básicos que delineiam “uma pequena história sobre o conflito árabe-israelense”. A proposta, destinada a esclarecer a importância do estabelecimento de dois Estados para dois povos (“possíveis” e “viáveis”), reconhece a legitimidade de judeus e árabes palestinos a suas ancestrais referências territoriais – convenhamos, poucos povos como esses, no mundo, têm legitimidade tão clara a seus lares. Veja bem: judeus e árabes são os indígenas de Israel e Palestina.
Como digo no texto “Antissionismo é antissemitismo”, há muita desinformação, muita distorção maniqueísta fruto da má vontade com os judeus, e negar o direito judaico ao seu lar ancestral é, sim, antissemitismo. Mas só depois abra o link acima.
Agora, tratemos do conflito. O documento elaborado por Gitz começa dizendo que “o conflito árabe-israelense” (…) “tem seu epicentro em confusos atritos religiosos, culturais e políticos do Oriente Médio” e “mobiliza, por vezes de forma passional, grupos que buscam posicionar-se frente aos reflexos desse conflito mundo afora”. (…) E segue: “Os debates e as discussões que envolvem o tema resultam empobrecidos por um absoluto desconhecimento de fatos relevantes e encadeados”.
Na introdução do documento, a proposta é explicitada: “Contribuir para que o conflito árabe-israelense seja debatido com a seriedade que merece, refutando mensagens panfletárias e maniqueístas, responsáveis por um improdutivo ambiente de intransigência”. (…) “Poderemos superar a complexidade do tema e criar um espaço para debates construtivos, que não sejam influenciados por interesses ou ideologias e que não sirvam de arena para discursos racistas, antissemitas ou xenófobos (…)”.
Declaração de Balfour
O esclarecedor trabalho de Gitz começa pela Declaração de Balfour, carta elaborada em 2 de novembro de 1917 pelo então secretário britânico dos Assuntos Estrangeiros, Arthur James Balfour. O documento foi enviado ao “Dear Lord Rothschild”, líder da comunidade judaica no Reino Unido, e dirigido à Federação Sionista da Grã-Bretanha. Referia-se à intenção do governo britânico de facilitar o estabelecimento do Lar Nacional Judeu na Palestina caso seu país derrotasse o Império Otomano, que, até então, dominava a região.
Exatamente uma semana depois, em 9 de novembro, o texto da carta foi publicado na imprensa britânica. Depois, sob o título de Declaração de Balfour, foi incorporado ao Tratado de Sévres (que selou a paz com o Império Otomano) e à documentação que instituiu o Mandato Britânico da Palestina (o documento original se encontra atualmente na British Library). França e Itália, aliadas de Londres na Primeira Guerra Mundial, ratificaram espontânea e imediatamente a Declaração de Balfour. Os Estados Unidos fizeram o mesmo em agosto de 1918. E a Liga das Nações (precursora da ONU), em 1922, aprovou o Mandato Britânico da Palestina, sob a determinação de que o Lar Nacional Judaico fosse estabelecido na região. Já era premente, anos antes da Shoá, a urgência de os judeus retornarem a sua terra ancestral.
Foi essa incompreensão histórica e o antissemitismo travestido ao sabor dos contextos que levaram Balfour a publicar sua declaração. O Estado judeu, além da legitimidade ancestral (fazia 19 séculos que haviam sido expulsos para uma dolorosa diáspora), revestia-se de urgência. Poucos anos depois, a Shoá tirou qualquer resquício de dúvida a respeito.
Plano de partilha
A cartilha explica a partilha entre árabes e judeus. “Em maio de 1947, a ONU, a pedido do Reino Unido, criou o UNSCOP (United Nations Special Committee on Palestine), para elaborar o plano de partição da área do Mandato Britânico da Palestina. Mohammad Amin al-Husayni, líder muçulmano na Palestina, opôs-se (…). O Plano de Partilha da Palestina (ou daquilo que restava da Palestina, pois uma parte já havia sido separada para construir a Transjordânia, em 1922) foi aprovado em 29 de novembro de 1947 pela Assembleia Geral da ONU, através da Resolução 181. O plano consistia na partição da banda ocidental do território em dois Estados – um judeu e outro árabe -, ficando as áreas de Jerusalém e Belém sob controle internacional”. (…) 53% do território seria atribuído aos 700 mil judeus. Grande parte dessa área, 60%, fazia parte do Deserto de Negev; 47% aos 1,4 milhão de árabes, sendo 900 mil que imigraram no início do século XX e 500 mil que já viviam no local.”
A cartilha lembra que, “durante a sondagem da ONU que resultou no plano de partição da Palestina, a Alta Comissão Árabe se recusou a cooperar, considerando que ‘os direitos naturais dos árabes da Palestina são evidentes e não podem continuar a ser objeto de sondagem’. Portanto, em 30 de novembro, um dia após a aprovação do plano por 33 votos a favor, 13 contrários e 10 abstenções, os árabes rejeitaram o documento, esperando que fosse revisto e uma proposta alternativa apresentada. A Liga Árabe ainda não considerava a hipótese de intervenção armada, ação à qual se opunha a Alta Comissão Árabe.
Na cartilha, é esclarecido o contexto segundo o qual, “após a Segunda Guerra Mundial, a criação do lar nacional judeu passou a ser vista pela opinião pública como uma forma de reparação pelo Holocausto. Assim, poucos meses depois, na sessão de 29 de novembro de 1947 – presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha -, quando 56 dos 57 países membros se encontravam representados, 33 deles votaram a favor do plano. Os países da Liga Árabe (Egito, Síria, Líbano e Jordânia) não reconheceram o novo Estado”. Por outro lado, “a Agência Judaica aceitou a resolução, embora não tivesse ficado satisfeita com as soluções propostas para as restrições à imigração judia da Europa e os limites territoriais do futuro Estado judeu”. “Já os árabes palestinos, assim como os Estados Árabes, não aceitaram o plano”. O desfecho era inevitável. “Em 14 de maio de 1948, à meia-noite, termina o mandato britânico da Palestina. David Ben-Gurion, chefe da Agência Judaica, declara a Independência do Estado de Israel, reconhecida imediatamente pela União Soviética e pelos Estados Unidos.”
A primeira guerra árabe-israelense
Os vizinhos de Israel, então, decidem intervir. Egito, Iraque, Líbano, Síria e Jordânia, reforçados por forças palestinas, declaram guerra. Os confrontos tiveram início já no dia seguinte, em 15 de maio de 1948, quando exércitos árabes atacaram Israel por três frentes diferentes. Egito, Síria, Iraque, Jordânia, Líbano e Arábia Saudita convergiram para uma minúscula faixa de território que agora era Israel. O cenário principal da guerra foi o antigo território do mandato britânico, mas também incluiu a Península do Sinai e o sul do Líbano. O conflito terminou com o armistício israelo-árabe de 1949 e vários acordos bilaterais de cessar-fogo, firmados entre fevereiro e julho de 1949. A guerra de 1948-49 foi vencida por Israel, que sobreviveu como Estado e ampliou seu território.
A Jordânia anexou a Cisjordânia com Jerusalém antiga, e o Egito ocupou a Faixa de Gaza, ambos ficando nessas regiões até 1967. A cartilha relata as decorrências demográficas: “Esses conflitos provocaram um grande êxodo, fazendo com que 900 mil palestinos abandonassem a região, muitos fugindo do conflito, muitos incentivados pelos países árabes, que prometeram varrer Israel do mapa e devolver a terra de onde saíram. Esses refugiados foram dispersos pela região do Oriente Médio, onde não foram absorvidos pelos países vizinhos”. Por outro lado, nas décadas seguintes ao fim da guerra de 1948, entre 700 mil e 900 mil judeus tiveram igualmente de sair dos países árabes onde viviam. “Em muitos casos”, diz a cartilha, isso ocorreu “devido a um sentimento antissemita ou à expulsão (no caso do Egito) ou ainda a opressões legais (Iraque)”. Desse número, dois terços se deslocaram para campos de refugiados em Israel, e o restante migrou para França, EUA e outros países ocidentais (incluindo o Brasil). “A guerra árabe-israelense de 1948, conhecida como “Guerra da Independência” ou “da Libertação”, terminou com o Armistício de Rodes.
A Guerra de Suez
O Estado judeu teve de defender sua integridade em frequentes conflitos desde então. Oito anos depois, estourou a Guerra de Suez, iniciada em 29 de outubro de 1956. Com apoio de França e Reino Unido, Israel enfrentou o Egito do presidente Gamal Abdel Nasser. Os egípcios haviam nacionalizado o Canal de Suez, cujo controle pertencia aos britânicos. Consequentemente, o porto israelense de Eilat ficaria bloqueado, assim como o acesso de Israel ao Mar Vermelho através do Estreito de Tiran, no Golfo de Akaba.
Diz a cartilha: “Em 29 de outubro de 1956, tropas israelenses invadiram a Península do Sinai e rapidamente superaram a oposição das tropas egípcias. No dia seguinte, Grã-Bretanha e França se ofereceram para ocupar temporariamente a zona do canal e sugeriram 10 milhas em cada lado, separando as forças egípcias das israelenses. Nasser, é claro, recusou, e, em 31 de outubro, o Egito foi atacado e invadido por forças militares de Reino Unido e França. Em resposta a esses desdobramentos, a União Soviética, que na época enfrentava uma revolta anticomunista na Hungria, ameaçou intervir em nome do Egito. O presidente Eisenhower, dos EUA, pressionou Reino Unido, França e Israel a concordar com um cessar-fogo. A guerra em si durou uma semana, e os invasores foram retirados em um mês, sob a supervisão das tropas da ONU. Resultado: o Egito agora se alinhava firmemente à URSS, que armou os egípcios e outras nações árabes para a luta contínua contra Israel” (foi aqui que a URSS, primeiro país a reconhecer Israel, aliou-se aos árabes).
Entre guerras (1956-1967)
Nos anos seguintes à Guerra de Suez, a tensão entre os países árabes e Israel havia aumentado. Ilton Gitz pontua alguns elementos:
1) A instalação de governos nacionalistas em países árabes (Síria e Iraque), em substituição à dominação colonial europeia. Era uma época em que o panarabismo estava em ascensão. Egito e Síria uniram-se na República Árabe Unida (R.A.U), e o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser tentava usar a luta comum contra Israel como fator de aglutinação dos povos árabes sob seu comando;
2) A formação de movimentos de resistência palestinianos, como a Organização de Libertação da Palestina (OLP, em 1964), chefiada por Ahmed Shukairi e posteriormente por Yasser Arafat, que passaram a atuar de forma cada vez mais agressiva contra o Estado judeu. A contínua repetição de episódios de confronto, principalmente ao longo da fronteira de Israel, criou uma situação de atrito constante;
3) A Faixa de Gaza era administrada pelo Egito (R.A.U), e a Cisjordânia era parte do território do Reino Hashemita da Transjordânia, cujos governos faziam vistas grossas para as ações da OLP e de grupos menores. O Egito formalizou pactos militares de defesa mútua com a Síria, a Jordânia e o Iraque. Egito e Síria estabeleceram, em 1966, um pacto de defesa em caso de guerra que implicasse um dos dois países;
4) Em 18 de maio de 1967, Nasser exigiu do secretário-geral das Nações Unidas, o birmanês U Thant, a retirada das forças de paz que faziam a separação entre israelenses e egípcios na fronteira após o conflito de Suez. O secretário-geral aceitou e determinou a retirada dos ‘capacetes azuis’, o que possibilitou a concentração de tropas egípcias frente às tropas israelenses na fronteira;
5) Na sequência, em 22 de maio, Nasser ordenou o fechamento do estreito de Tiran para os navios israelenses e para todos os que tivessem Israel como destino ou origem, interrompendo o fluxo comercial de Israel pelo Mar Vermelho em uma estratégia de asfixia econômica.
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A Guerra dos Seis Dias
A Guerra dos Seis Dias opôs Israel a uma frente de países árabes (Egito, Jordânia e Síria, apoiados por Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Argélia e Sudão). O crescimento das tensões, em meados de 1967, levou ambos os lados a mobilizarem suas tropas. O conflito se iniciou quando a força aérea israelense lançou uma ofensiva contra as bases da força aérea egípcia no Sinai. Israel alegou que o Egito se preparava para fazer a guerra contra a sua nação e que o ataque era uma ação preventiva.
Foi uma derrota acachapante dos países árabes, que perderam mais da metade do seu equipamento militar. Mas a sua rejeição ao Estado judeu se manteve. Em agosto de 1967, líderes árabes reuniram-se em Cartum e anunciaram ao mundo: não às negociações para o reconhecimento de Israel. A cartilha registra que “tal guerra amplificou muito a aversão do mundo islâmico a Israel”. Até nações que nunca tiveram atrito com o país cortaram relações, e o fundamentalismo islâmico refratário ao Estado judeu ganhou força.
Como resultado do conflito, ampliou-se o mapa israelense. Passou a incluir as colinas de Golã, a Cisjordânia (margem ocidental do Jordão e toda Jerusalém) e a península do Sinai. Sobre Jerusalém, Israel passou a controlar a cidade, que era judaica até a expulsão dos judeus pelos romanos no primeiro século da Era Comum. Jerusalém é a cidade sagrada do judaísmo, para onde os judeus se voltam ao rezar nas sinagogas (o islamismo tem Meca e Medina). Jerusalém sempre foi a referência territorial judaica, assim como o Muro das Lamentações é seu lugar sagrado, com presença constante na Torá.
Segue a cartilha: “Por causa da guerra, iniciou-se a fuga dos palestinos das novas áreas ocupadas por Israel. Como resultado, aumentou o número de refugiados nos Emirados Árabes Unidos, Jordânia e demais países fronteiriços, principalmente o Líbano. O conflito criou 350 mil refugiados, rejeitados por Estados árabes vizinhos”.
A população palestina que vivia na Cisjordânia e em Gaza (que desde 1948 estavam sob controle de Jordânia e Egito) passou a ser controlada por Israel. Sempre foram os territórios levados em conta para a negociação da paz, com o estabelecimento de dois Estados para dois povos.
Outra consequência da Guerra dos Seis Dias foi uma sucessão de ataques a países que deram apoio tático, bélico e financeiro a Israel. Com apoio da OLP, iniciaram-se os atentados terroristas a países como os EUA, Espanha e Reino Unido, além de cidades israelenses.
Em novembro de 1967, a ONU aprovou a Resolução 242, determinando a retirada de Israel de territórios ocupados e a resolução do problema dos refugiados. Israel descumpriu a resolução alegando que só negocia a desocupação dos territórios se os Estados árabes o reconhecessem.
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Em meio a tudo isso, os refugiados: de um lado, 700 mil palestinos tiveram de deixar suas casas. De outro, também cerca de 700 mil judeus tiveram de deixar suas residências em países como Iraque, Iêmen, Egito, Síria e Líbano. Os palestinos ficaram sem destino, muitos em situação de fragilidade. Os judeus que fugiam dos países vizinhos foram acolhidos por Israel.
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E veio a “Guerra do Desgaste”, entre Israel e Egito, de 1967 a 1970. Após a Guerra dos Seis Dias (1967), não houve esforços diplomáticos entre as partes. Nasser acreditava que só uma ofensiva militar faria Israel sair da Península do Sinai, e as hostilidades recomeçaram. Após muitas escaramuças, em 8 de março de 1969, Nasser lançou a Guerra do Desgaste, com bombardeios. Em agosto de 1970 houve o cessar-fogo.
A Guerra do Iom Kipur
Em outubro de 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada por Egito e Síria atacou Israel no sagrado Dia do Perdão, o Iom Kipur. A ideia era pegar os judeus desprevenidos, rezando e em jejum. Egípcios e sírios cruzaram as linhas de cessar-fogo no Sinai e nas colinas de Golan, anexadas por Israel na guerra de 1967. Israel reagiu e venceu. Mas ali se criou o ambiente para acordos de paz, como o de Camp David em 1978, com o Egito, que levou à devolução de Suez.
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Em 1973, o médico Abraão Winogron, de Porto Alegre, viveu uma experiência extremamente marcante. Aos 24 anos, fez residência em ortopedia no hospital Hadassah, em Israel. Estudou hebraico e se programou para um ano de cirurgia geral antes de se dedicar a sua especialização. Estourou, então, a Guerra do Iom Kipur. Seus colegas partiram para o front. Ele ficou com três professores e voluntárias idosas. Passou a atender militares que chegavam em helicópteros-ambulância. De quatro a cinco, diariamente, incluindo casos de amputação. Certa vez, foram 12. Nesse dia, chorou muito. Seus pacientes não se limitavam a israelenses. Atendeu soldados egípcios, inimigos. E não foram poucos, como ele me contou. Disse o já falecido Winogron, meio século depois: “Sirenes começaram a tocar. Era um toque diferente. Nos testes, a sirene tocava de forma contínua, uuuuuuu. Naquele dia, parecia um lobo ferido uououou. Tudo estava fechado em Israel. A Voz de Israel repentinamente anunciou assim: ‘por volta das 14h, forças sírias e egípcias atacaram nas fronteiras norte e sul. Nossas forças trabalham contra o inimigo’. Mas não havia forças. Tinham dado folga para os soldados.
No primeiro momento, o Egito e a Síria passearam pelas fronteiras. Quem estava lá morreu. De 15 em 15 minutos, repetiam a mesma notícia, o mesmo texto”. (…) ”Às 22h30min, médicos e enfermeiros foram chamados ao Hadassah. Cheguei em casa às 23h30min, e minha mulher me levou ao hospital. Voltei pra casa 49 dias depois. Fiz um plantão de 49 dias. Todos os ortopedistas haviam ido pro front. Quem é que ficou comigo? Enfermeiras aposentadas, veteranas de guerras. Elas me diziam o que fazer. Certa vez, eu costurava com um fio e uma delas me disse para usar menos do fio, porque poderia faltar depois. ‘Aproveita bem o fio, dá nós bem pequenininhos, diziam elas.'” (…) ”Quando cheguei ao hospital, vi helicópteros. Um sobrevoava, outro descia, outro ainda levantava voo. Cada um trazia de seis a oito feridos. Eram soldados e oficiais, muitos de 18 anos.
Os oficiais não ficam nos comandos, vão com a tropa. Em Israel, não existe a frase ‘soldados, avante’. Usa-se ‘soldados, atrás de mim’.” (…) ”Eu estancava hemorragia, fazia o raio X, via o tipo sanguíneo, dava soro, morfina, antitetânica e antibiótico pra não infeccionar. Se o cara sangrava, colocávamos gaze e ataduras. Nos casos de amputação, vinham com várias ataduras no coto, com muita morfina e as veias cheias de água. Injetávamos sangue neles”. (…) ”O estoque de sangue até sobrou em Israel, de tanto que as pessoas doavam. No cessar-fogo, Israel mandou sangue para os soldados egípcios.” (…) ”O primeiro rapaz que atendi tinha o músculo arrancado. Aí, quando eu limpava a ferida bem devagarinho, retirando o tecido morto, preservando artérias, veias, nervos, olho pro lado e vejo meu chefe, da ortopedia. Ele me perguntou: ‘Onde você aprendeu isso?’ Eu respondi: ‘No melhor hospital de emergência do mundo, o Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre!’
O rapaz me agarrou o braço e disse ‘doutorzinho, faça o que for possível, mas não me corta a perna’. Ele tinha pisado numa mina. Olhei… ele não tinha as duas pernas, estava com morfina, tinha a percepção de que ainda contava com as duas pernas”. (…) ”Na segunda semana, os paraquedistas pisaram num campo minado. Amputei 12 pernas. Foi o único dia em que não aguentei.” (…) ”Por volta do 10º dia, começamos a receber oficiais egípcios, com lesões, fraturas, queimaduras. Falávamos em inglês com eles. A relação era muito boa. Eram educados, elegantes, finos. Reconheciam o trabalho dos médicos, ‘thank you, doctor’. Em algumas oportunidades, conversei com eles, mas o exército pedia que os tratássemos apenas como pacientes, que não falássemos de política com eles.”
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A Guerra do Líbano
A Guerra do Líbano, em 1982 (“Operação Paz na Galileia”), começou em 6 de junho de 1982, quando as Forças de Defesa de Israel invadiram o sul do Líbano (oficialmente, com o objetivo de fazer cessar os ataques da OLP, baseada em território libanês). O objetivo fundamental da ação militar era remover os militantes da OLP do sul libanês, onde se infiltraram e de ondem atiravam foguetes no norte israelense. A invasão, que levou à morte de 20 mil libaneses, foi amplamente criticada, tanto dentro como fora de Israel, especialmente depois do ataque da milícia cristã libanesa aos palestinos da região, no “massacre de Sabra e Shatila”. A partir desse avanço israelense, o líder palestino Yasser Arafat teve de se exilar na Tunísia, e a OLP se retirou do Líbano.
Em abril de 1998, o governo israelense anunciou a intenção de cumprir a Resolução 425 da ONU, que determina a retirada do exército e Israel da faixa de 15 quilômetros no sul do Líbano e o estabelecimento de uma força de paz no local. Em 2000, os israelenses se retiraram do sul do Líbano, permanecendo nas fazendas de Shebaa, próximas às colinas de Golan, pois Israel não considera as fazendas como território libanês.
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Desde meados dos anos 1980, sucederam-se as “intifadas” (revoltas palestinas), com as respostas israelenses. Palestinos, em especial do grupo terrorista islâmico Hamas, atiram mísseis contra território israelense, e Israel bombardeia a Faixa de Gaza. Com tecnologia de ponta, o Estado judeu criou um sistema antimísseis que reduz radicalmente a possibilidade de haver mortos nesses ataques. Os palestinos não contam com o mesmo sistema de proteção. A primeira intifada eclodiu em 9 de dezembro de 1987, com ondas de violência nos territórios ocupados por Israel desde a Guerra dos Seis Dias (1967). A população palestina que vivia na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, sem perceber nenhuma vontade política em resolver seus problemas, explodiu em uma grande revolta popular.
Conta Gitz: “O termo ‘intifada’ surgiu após o levante espontâneo que rebentou em 1987, no campo de refugiados de Jabaliyah, no extremo norte da Faixa de Gaza, com a população civil palestina atirando paus e pedras contra os militares israelenses. Violentos combates, atentados e repressão de protestos deixaram um saldo de centenas de mortos. Altos danos à infraestrutura dos territórios palestinos ocupados foram reportados. A revolta só terminou no final de 1993, por ocasião da assinatura dos Acordos de Oslo. Intifada, em árabe, significa tremer ou ter calafrios de medo ou doença; também significa um despertar abrupto, ou súbito, de um sonho ou inconsciência. Politicamente, a palavra simboliza o levante palestino. Um dos resultados dessa primeira intifada foi a percepção de Israel da necessidade de negociar com a OLP, o que ocorreria nos Acordos de Oslo. A partir de então, os conflitos de Israel passaram a ser de outra natureza, não sendo mais com outros países e sim na discussão de fronteiras com os palestinos.”
Os Acordos de Oslo
Veio, então, uma série de acordos entre Israel e OLP, em Oslo, na Noruega. A mediação coube ao presidente americano Bill Clinton. As partes se comprometiam com o estabelecimento da paz entre os dois povos. Previam-se o término dos conflitos, a abertura das negociações sobre os territórios ocupados, a retirada de Israel do sul do Líbano e a questão do status de Jerusalém. Em 1993, com o acordo de paz de Oslo, é criada a Autoridade Palestina, sob o comando de Arafat.
E segue a cartilha: “(…) os termos do acordo jamais foram cumpridos por ambas as partes. A intenção era o reconhecimento do direito de o Estado de Israel existir e uma forma de dar fim ao terrorismo. Em 26 de outubro de 1994, o acordo de paz de Israel com a Jordânia veio a normalizar a fronteira entre os dois países e fazia parte do processo de paz começado em Oslo. Infelizmente, o processo de paz sofreu um grande golpe com o assassinato do premier israelense Yitzhak Rabin em novembro de 1995, por um extremista judeu contrário aos acordos. Somando-se a esse fato, uma sucessão de ataques suicidas palestinos contra a população civil israelense inviabilizou o processo de paz. No final da década de 1990, sob a liderança de Benjamin Netanyahu, Israel desistiu da cidade de Hebron, assinando o Memorando de Wye River, dando maior controle da região para a Autoridade Nacional Palestina. Ehud Barak, eleito premier em 1999, começou a retirar as forças israelenses do sul do Líbano, realizando negociações com a ANP de Arafat e com o Clinton durante a Cúpula de Camp David em 2000. Durante esse encontro, Barak ofereceu um plano para o estabelecimento do Estado Palestino na Faixa de Gaza e 91% da Cisjordânia, retendo porém o controle sobre todas as fronteiras e os principais cursos de água, e anexando 12% do Vale do Jordão, a região mais fértil da Cisjordânia, reservando-se ainda o direito de permanecer entre 12 e 30 anos em outros 10% dessa região. Arafat rejeitou o acordo, exigindo, como pré-condição para as negociações, a retirada de Israel para as fronteiras de junho de 1967.”
Diante do colapso das negociações, criou-se o ambiente para a segunda intifada, conforme a cartilha: “A intifada de Al-Aqsa começou com a visita de Ariel Sharon ao complexo do Monte do Templo em Jerusalém, em setembro de 2000. Amplos motins e ataques eclodiram em Jerusalém e em muitas das grandes cidades israelenses e se espalharam por toda a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. O conflito, do final de 2000 até o começo de 2005, deixou centenas de mortos em ambos os lados. Violentos combates em áreas urbanas, atentados e bombardeios e ataques em regiões muito povoadas deixaram alto saldo de perdas de vidas civis. Os palestinos recorreram ao lançamento de foguetes e, principalmente, a atentados suicidas. Já os israelenses usaram tanques, artilharia e aeronaves. A infraestrutura dos territórios ocupados ficou devastada. A conferência de paz de Sharm el-Sheikh, em 5 de fevereiro de 2005, é considerada o dia oficial em que o conflito terminou.
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Em 2004, morre Arafat. A ANP passa ao eleito Mahmud Abbas. Em 2005, Israel se retirou e destruiu de forma unilateral os assentamentos judeus e os postos militares avançados israelenses da Faixa de Gaza e do norte da Cisjordânia (Plano de Retirada Unilateral de Israel). Entretanto, apesar de ter conquistado a soberania sobre Gaza (mas não sobre a Cisjordânia), os palestinos entraram em um conflito interno que ocasionou a tomada de poder pelo Hamas na Faixa de Gaza e o recrudescimento dos ataques com mísseis caseiros contra Israel a partir dessa região, paralisando novamente as conversações de paz. Em 2006, o Hamas, grupo fundamentalista islâmico que não reconhece a existência de Israel, e prevê estatutariamente a aniquilação do país e do povo judeu para criar um estado fundamentalista islâmico. No final de 2008, o cessar-fogo entre Hamas e Israel acabou após foguetes serem disparados a partir da Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas. Israel respondeu com ataques aéreos. E assim estamos ainda hoje.
Até quando?
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Shabat shalom!