O Dia da Consciência Negra foi comemorado ontem, 20 de novembro. A data não é feriado na cidade onde surgiu. Foi aqui em Porto Alegre, em 1971, que um pequeno grupo que a comemorou pela primeira vez, às margens do Guaíba, no Clube Náutico Marcílio Dias.
A ideia havia nascido das conversas entre quatro universitários gaúchos: Oliveira Silveira, Vilmar Nunes, Ilmo da Silva e Antônio Carlos Côrtes que questionavam a legitimidade do 13 de maio, data da Abolição da Escravidão, para o povo negro. A proposta era reverenciar a memória de Zumbi dos Palmares, líder negro do maior quilombo formado durante os anos de escravidão. Tiveram que prestar explicações para a ditadura, eram anos de chumbo.
A data não é feriado na cidade onde foi criada, evidenciando o grau de apagamento que a cultura negra tem por esses pagos. O Estado que se orgulha de sua cultura campeira, de seus laços com o Prata e recebe turistas para desfrutar de suas cidades italianas e alemãs, tenta apagar sua herança africana a cada dia.
Nesse mês de novembro, fala-se muito em racismo o que não impede que ele siga com toda sua violência. Não é preciso pesquisar muito nas redes para ver que a violência contra negros e negras é uma regra, não uma exceção.
Notícia de 20 de novembro.
Embora sejam a “maioria da população brasileira, pessoas negras são minoria no serviço público federal, ganham menos do que brancos, em média, e estão distantes de ocupar os cargos mais altos na hierarquia.” É o que registra, baseada em dados ainda de 2020, matéria do portal Uol.
A notícia aponta que a igualdade oportunizada pelos concursos públicos vai sendo corroída ao longo da carreira fazendo com que a remuneração líquida média mensal de homens brancos seja de R$ 8.774,20 em 2020 — R$ 2.502 a mais do que homens negros e R$ 2.958,70 a mais que mulheres negras.
Essa discriminação se assemelha ao que acontece na iniciativa privada sendo absolutamente naturalizadas as diferenças salariais e o desemprego, subemprego e a precarização do trabalho que atingem em cheio a população negra.
Notícia de 10 de novembro.
Patrícia Ramos, influencer, celebridade, mulher negra, rica e famosa, foi vítima de violência doméstica. No mesmo dia 11, a apresentadora Ana Hickman, denunciou o marido por violência doméstica, mostrando que o problema não se restringe por questões de raça ou gênero.
Mas, se temos de falar de violência de gênero, não podemos calar com o racismo. Afinal, segundo dados do IPEA, que se referem a 2019, ⅔ das mulheres assassinadas no Brasil eram negras. O risco de uma mulher negra ser vítima de homicídio é 1,7 vez maior do que o de uma mulher não negra. Isso significa que, para cada mulher não negra morta, morrem quase duas mulheres negras. No país que mata 1 mulher a cada 2 horas.
Notícia de 16 de novembro.
Um estudo elaborado pela Rede de Observatórios de Segurança, projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), mostrou que todos os mortos pela polícia no Recife em 2021 e 2022 eram pessoas negras. Em Pernambuco, a proporção de negros entre as vítimas de operações policiais foi de 89,66%. Segundo o IBGE, os negros correspondem a cerca de 65% da população pernambucana.
Notícia de 12 de novembro.
Em vídeo que viralizou viralizou nas redes sociais, um homem ameaça um jovem negro com uma pistola, acusando-o de ter praticado roubos na região da estação do Metrô. O vídeo é tenso. O homem, que depois se soube que era um investigador da Polícia Civil, aponta a arma para o adolescente enquanto uma mulher vai se interpondo entre eles e grita para que ele não atire.
A cena ganhou notoriedade, pois uma policial militar assistiu tudo literalmente de braços cruzados. Só mudou a postura para dizer que estava de folga e não iria fazer nada e para dar um chute no jovem ameaçado quando ele se aproximou dela em busca de proteção.
O homem que protagonizou a cena já tinha histórico de violências e sua própria irmã tem uma medida protetiva contra ele. O que não o intimidou a desfilar sua agressividade mesmo diante das câmeras. Como os policiais que mataram um homem negro dentro de uma viatura em Sergipe no ano passado ou mesmo os seguranças do Carrefour ao assassinar um homem negro em uma loja aqui em Porto Alegre.
Jefferson Tenório, escritor negro de sucesso radicado em Porto Alegre, conta que evita um shopping situado em área nobre de Porto Alegre, “para não ter incômodos com os seguranças do estabelecimento”.
Ao falar sobre isso, o romancista volta para o que falávamos no início da coluna, a invisibilidade negra no Rio Grande do Sul:
“Pela minha percepção, a raiz do racismo no estado está no orgulho que se tem da origem europeia. Trata-se de uma cultura de reforço de estereótipos. Pouca gente sabe, mas cerca de 40% da população de Porto Alegre é negra. Esse sentimento de orgulho da origem europeia acaba se refletindo em Porto Alegre e cria um ambiente de invisibilidade da população negra.”
Pessoas invisíveis tem problemas invisíveis. Trazer o racismo, a discriminação e o preconceito para o debate público ainda é necessário. Porém, fica o alerta de Priscilla Bacalhau, doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora da FGV em coluna na Folha de São Paulo:
“Continuar trazendo luz à consciência negra ainda é fundamental em uma sociedade que se desenvolveu baseada no mito da democracia racial. Mas para mudar os números da desigualdade é preciso ir além e transformar a consciência de novembro em ações concretas.”
Conscientizar é importante desde que leve à ação, afinal problemas concretos exigem respostas concretas. E isso é tarefa de todos e todas nós, negros ou não.
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