Já cantava o gênio Renato Russo: “Quais são as palavras que nunca são ditas?” Parto disso, então, para me permitir um clichê: a vida é simples; quem a complica é o ser humano. Digo mais: a vida é tão curta! Como desperdiçamos tempo e energia pondo em discussão temas que poderiam ser resolvidos com facilidade. E perceba que talvez até você se choque, porque elencarei assuntos normalmente tratados como complicações.
A eles.
1 ) A orientação sexual de uma pessoa. Tchê, como tem pais e mães que complicam algo da natureza de seu filho! Quantas complicações derivam dessa tolice! É muito simples tudo nesse item, se o homem permitir. É só amor. Como ser contra o amor? E por que as pessoas não podem ser felizes em casamentos homoafetivos? E por que esses casais homoafetivos não podem formar família, adotando crianças órfãs ou abandonadas que clamam por amor e teriam justamente isso numa família assentada em genuínos sentimentos de afetividade? Por que não?!
2 ) Preconceitos em geral: pessoal, deem-se conta que os homens se igualam justamente por serem diferentes e que serem diferentes é uma das maiores qualidades humanas. Feche os olhos por uns instantes e pense na aberração que é a discriminação de alguém pela cor da pele, pela origem, pela orientação sexual, pelo gênero, por uma eventual deficiência.
3 ) Acerca de dificuldades ou deficiências, tanto faz a nominação, digam-me uma coisa: quem não as têm? Por que discriminar alguém diante de suas características? Por que não valorizar cada qual com suas potencialidades? Por que tanta crueldade? Por que não enxergamos o diferente? Não aprendemos isso no próprio futebol, aquele jogo que simboliza aspectos da vida? O zagueiro e o centroavante podem ser grandes jogadores sem terem as mesmas características, inclusive tendo características completamente opostas. Tenho observado faz alguns anos o comportamento de alguns autistas. Como são lindos! Costumam ser sinceros, verdadeiros, sem agendas ocultas. E não é justamente disso que este mundo cínico, hipócrita e desonesto precisa?
4 ) Religiões. Meu D’us (ó!), quanta estupidez! Sou judeu e realmente acredito num D’us (a gente escreve assim) incorpóreo e onipresente, que é o sopro de vida e a ordem cósmica seguindo a racionalidade do “profeta” Baruch Spinoza, não por acaso também ele judeu. Mas qual o problema se alguém puser sua fé em algum símbolo, em vários símbolos, em um ser iluminado, se alguém acredita em santos ou entidades? No fundo, é tudo energia, e cada qual que veja do seu jeito.
5 ) A escolha profissional de um filho. O sujeito fica olhando o mercado de trabalho décadas antes de o filho enfrentar a vida profissional num mundo líquido e em mutação. Vou simplificar pra você, e de graça: se o seu filho tem esta ou aquela vocação, esta ou aquela facilidade, este ou aquele dom, aposte nisso. As chances de o guri ou a guria abrir portas fazendo o que lhe dá mais conforto e prazer são muito maiores. O talento não é líquido! E olho: essa minha proposta é extremamente pragmática. Não se engane. Não há nenhuma ingenuidade aqui.
6 ) Pra não sair do assunto que vem me ocupando nos últimos meses, vamos falar de Israel e Palestina. Seria tão simples… por critérios muito verdadeiros, há uma partilha entre dois Estados para os dois povos originários daquele lugar tão tumultuado. É tolo dizer, mas, vamos lá, estamos falando de um lugar onde todos têm razão e todos perdem a razão. Claro, tem os extremistas, mas esses não fazem parte de um exercício de simplificação pela racionalidade e pela lógica. Se os extremistas permitirem, não é tão complicado assim estabelecer dois Estados vizinhos que existam de forma harmônica e pacífica, com mútuo reconhecimento. É tão constrangedoramente simples e tão claramente complicado pela má vontade dos líderes, que o cara chega a pensar. Pô, quem ganha com tanto sangue derramado?
7 ) Times de futebol. Me deem um leque, porque preciso me abanar! Você nunca percebeu que um pênalti que você achou inexistente contra o seu time seria visto por você como existente se fosse o contrário? Você nunca percebeu que as características dos milhões de torcedores do seu time seriam etiquetadas de outra forma se fossem do adversário (e são milhões!)? Você nunca percebeu que está abraçando um sujeito escroto só por que é do seu time e xingando um cara legal só por que é do adversário? Você nunca percebeu que vibraria intensamente (e inclusive já invejou) as glórias alheias se fossem suas? Não seria muito mais simples respeitar o diferente e não ficar o tempo inteiro tentando desqualificá-lo, em um gesto claramente desrespeitoso de apagamento do alheio (e vamos deixar claro que times de futebol fazem parte da nossa identidade), sem sequer saber o real motivo dessa atitude? Veja: não digo para não torcer ou não zoar. Estou falando para respeitar.
Viva a bolha e o cancelamento!
Vivemos tempos muito traiçoeiros, em que a firmeza de caráter e de convicções requer uma fibra enorme. São várias as armadilhas contra a integridade intelectual das pessoas. É muito importante ser independente, jamais “sabujo” de narrativas, bandeiras, partidos ou, de outro lado, supostos filósofos ou risíveis gurus desprovidos de empatia e preocupação social. Devem-se manter convicções sem misturar as coisas e respeitar quem pensa diferente quando o interlocutor tem boa índole. Ser claque de filósofo/guru defensor do egoísmo cínico, desumanizado e sem freios ou de partidos sectários e dogmáticos, com narrativas levianas e irresponsáveis, por exemplo, é ser sabujo. E, nesses casos, viva o urgente cancelamento! Viva a necessária bolha! São ferramentas de sobrevivência contra a maldade e a ignorância ambidestra, por vezes preconceituosa (racista, antissemita, homofóbica, misógina, de desprezo aos vulneráveis em diversas modalidades) e perigosa, vinda de proselitistas da desumanização, oportunistas loquazes, sem sentido, desprovidos das noções mais básicas de respeito ao outro. Do jeito que supostos intelectuais, com ar de sabichões, conduzem diálogos, adotando a ironia e a mordacidade vazia de uma pretensa sofisticação, a distância é um alívio. E vida que segue.
Shabat shalom!
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