De novo: eu ia escrever sobre assunto aparentemente “fofo”: a adoção de bichinhos. Mas tive que mudar a pauta. Digo que adoção de animais é assunto só aparentemente fofo porque, ora, é importante o tratamento que damos a nossos irmãozinhos de jornada, que são de outras espécies, mas merecem respeito e amor.
Vou fazer o seguinte, pra não desapontar os amiguinhos cães, gatos e ratos (sim, preciso fazer justiça aos ratos, aprendi isso com a minha filha): vou falar o que tenho em mente na parte final desta coluna. Postergar duas semanas não é uma atitude humana, eu diria.
Mas, ainda sobre os animaizinhos que nos dão tanto amor, quero fazer duas considerações.
Uma delas: o rato. Desde que a Paulinha nos trouxe a Aiko, aprendi algo importante. Assim como o homem, o rato pode ser do esgoto, sujo e transmissor de doenças. Ou pode ser como a Aiko, que vive em casa e até anda pelo meu corpo, lambe minha mão e atende pelo nome.
Igualzinho aos humanos!
Outra é a arte. Como a arte amplifica sentimentos e sensações, como ela nos traz vida! Eu citaria as belezas tocante do “Presa Branca” (Jack London), o Argos do Ulisses (que esperou 20 anos pro Ulisses voltar a Ítaca e só então morreu) e outro, de livro que eu nem me lembrava, mas a memória buscou. O do velho Candy, em “Ratos e Homens”, do John Steinbeck.
Personagens lindos que traduzem a doçura e a fidelidade dos bichinhos.
Mas volto a esse assunto no fim do texto.
Agora, quero falar de coisas feias, infelizmente. Aliás, coisas que a arte mostra de forma impressionante, como o Saramago, em Ensaio sobre a cegueira, e o Camus, em A Peste.
Se na semana passada fui atropelado pelos empresários que escravizam e justificam sua violência inominável com argumentos econômicos (leia aqui), agora estou sendo atropelado por um deputado estadual do Mato Grosso do Sul que fez comparações rasas com o nazismo e mostrou o Mein Kampf, a “bíblia nazista”, em pleno parlamento.
E no meio teve o vereador desancando os baianos!
Percebam: numa semana, empresários que escravizam e relativizam esse barbarismo que antes todos considerávamos inaceitável; na outra, deputado que se sente muito à vontade pra subir ao púlpito com um livro de Adolf Hitler e banalizar a maior manifestação de maldade já promovida por seres humanos (outros já tinham comparado medidas judiciais necessárias e detenções – justas, diga-se – de pessoas que vandalizaram patrimônios e obras de arte e pediram uma ditadura com judeus em campos de concentração).
Vamos pôr a bola ao centro e recomeçar?
A pergunta que me assalta permanentemente é: onde vamos parar?! O que se precisa mais para algumas pessoas (as de boa-fé) entenderem o que estamos falando?
Vamos direto ao grão: esses caras todos defendem a mesma ideologia, votam no mesmo candidato, vão ao mesmo protesto antidemocrático, rezam pro mesmo mito. Assim como nas obras de Saramago e Camus, está mais do que na hora de as pessoas acordarem.
Precisamos falar muito a sério sobre isso.
Citar o empresário que se beneficia da escravização ou o deputado do Main Kampf em punho é muito pouco diante do todo. É reducionismo. O fato de ter ocorrido um numa semana e outro na seguinte não é acaso nem novidade. Escândalos do tipo vêm ocorrendo desde a homenagem ao torturador Ustra, passando pelo negacionismo anticiência na pandemia, a ignorância e a maldade diárias. O que temos vivido não cabe numa coluna.
É a ignorância ou o mal. Muitas vezes a ignorância e o mal juntos.
Serão necessários muitos livros e filmes pra traduzir essa tristeza.
Por ora, nos resta a exasperação diária.
Um resumo que costumo dizer há cansativa meia década: nem todo bolsonarista é nazista (óbvio!), mas rigorosamente todo nazista é bolsonarista.
Pense nessa frase e olhe quem está ao seu lado.
E aqui vai o meu recado aos que se dizem isentos. Basta, pessoal! Parem com a ladainha do “não voto nem em fascista, nem ‘ladrão’ (sic)”. Por mais que você diga que o outro é ladrão, quantos diamantes, relógios e imóveis comprados em dinheiro vivo (imagina quantas notas os caras conduziram pra comprar 151 imóveis!!!) serão necessários pra convencer de que esse paralelo inexiste? Parem de tentar justificar o injustificável.
E, convenhamos, nem precisávamos de diamantes e relógios.
Basta olhar pra cara dessas figuras e lembrar o que sempre foram.
Chega!!!
“Polarização” não é a palavra, não há paralelismos possíveis.
Não estamos falando de política aqui.
É muito mais grave o assunto. Por isso, fico pensando na empresa que se queixa de ter sido “cancelada” porque usou trabalhadores escravizados. Ei, pessoal. O cancelamento de algo assim é um gesto natural e até meio óbvio de quem se recusa a ser conivente.
Quem me conhece sabe que até por temperamento, mas também por ver alguns erros que me soam muito graves na esquerda (o sectarismo petista, a eventual arrogância e, muito em especial, a demonização de Israel, meu amado lar ancestral), sou apartidário. Mas, se é para enfrentar o fascismo, tenho partido, sempre. Qual? O partido do antifascismo, ora!
Deu, né, pessoal? Acorde quem ainda precisa acordar. Por favor!
Escravistas, fascistas, nazistas, negacionistas e malvados em geral precisam ser varridos.
Em vez de apoiar o inadmissível, sugiro que você adote um bichinho, olhe bem nos olhos dele, usufrua da fidelidade do amor incondicional, valorize a pureza, ceda ao afeto e ame a vida.
Ah, se você ouvir outro canalha criminosamente estúpido (e evidentemente bolsonarista, isso nunca falha) falando mal de baianos, feche a aba do computador e abra outra, com músicas do Gil. Sugiro “Super-homem”, “Gente hipócrita” e “Se eu quiser falar com Deus”.
E se convença: a Bahia nos salva até da dor!
Viva Salvador!
Shabat shalom!