Quando eu soube que tinha fachas cantando o hino anti eles próprios “Caminhando” (“Pra não dizer que não falei das flores”), do Geraldo Vandré, me dei conta da profundidade do problema de desconexão da realidade (literalmente aquilo que chamávamos de “alienação” nos meus tempos de guri). Eles encheram os pulmões entoando esses versos de resistência contra eles próprios na frente dum quartel, pedindo justamente o que o Vandré repudiava na música!!! Natural ver agora aderentes ao fascismo chorando as mortes do Bebeto e da Gal, cuja essência da obra e das ideias nem preciso dizer quais são (de imortais, falamos no presente). Talvez os caras ouçam e não entendam o conteúdo! Normal… na sua superficialidade ou desonestidade intelectual, que as deixam completamente dissociadas da realidade, algumas pessoas chegaram ao maior grau possível da falta de noção. Pessoal, a música de vocês é Chitãozinho e Xororó!
A MPB, que nunca foi estilo definido de música, mas traduz a alma do nosso país resistente, lindo e democrático, é toda ela radicalmente antifascista (ou seja, anti-inominável). Pego um compositor que nunca curti pra exemplificar. Vejam a composição recente do Byafra sobre o inferno que em breve vai passar:
“Eu tô chorando mas eu vou sorrir/Depois que esse furacão sair/Numa manhã de carnaval, de carnaval/Brasil/Vamos cantar até o amanhecer/Pois não teremos mais o que temer/A alegria vai guiar nossa nação/Brasil/O pesadelo vai sumir de vez/Pra nunca mais voltar e desaparecer/Eu quero ser feliz/Brasil/Abrir a porta para o sol entrar/Fazer um samba pra/Não desacostumar/Voltar a ser Brasil”.
Alguém ainda vai cantar isso a todos pulmões na frente dum quartel…
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A arte muitas vezes serve também de escape pro cara se sentir menos careta e purgar suas culpas de flertar com os reaças. Mas não adianta, velho: suas escolhas o definem, e suas digitais estão registradas lá na consciência indevassável das urnas eletrônicas.
Só peço que você acorde!
O texto acima foi escrito sob a influência de três fortes emoções: a tristeza de perder referências culturais e afetivas poderosas como o Bebeto e Gal (a sensação é de que parte da gente morre junto com eles), a decepção de ver afetos aderindo cegamente ao fascismo e, sobretudo, a exasperação e a angústia que tudo isso provoca.
Peço aos alucinados pra que aceitem o acontecimento histórico, libertador e catártico do eterno 30 de outubro de 2022! Que nos deixem em paz e voltem à sua insignificância de insetos. Diariamente tenho visto, pelas ruas e estradas do Brasil, rompantes fascistas nostálgicos dos tempos em que os “comunas” eram calados nas masmorras. O estrago provocado pelo Quadriênio Quadrúpede é tão forte, que nem as maiores e mais acachapantes provas da essência nazista do apagão ocorrido entre 2018 e 2022 conseguem pôr fim ao enredo macabro.
A você que vai torcer o nariz me acusando de “banalizar o nazismo”, eu repito: “essência nazista”, “índole nazista”, “lógica nazista”. Não estou comparando ao que ocorreu entre 1935 (com as determinações antissemitas de Nuremberg) e 1945 (ano do “ufa!”), mas posso, sim, comparar com a primeira metade dos anos 1930 na Europa. Vamos lá: homenagem a torturador diante da vítima; diversas referências implícitas (apitos pra cachorro) ou explícitas a ícones nazistas; o tal do copo de leite do supremacismo racial; a funcionária do governo flagrada em vídeo ao dizer que a Covid ajudaria a atenuar o déficit previdenciário ao matar velhinhos (eugenia na veia!); os braços estendidos no modo nazi em São Miguel do Oeste; cartazes que reproduzem os dos anos 1930 na Europa; a sugestão de pôr estrela nas fachadas das casas (!!!); o boicote à Apae (sim, a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais, isso mesmo que você leu!); a recente (e muito assustadora) marcha integralista em Joinville. Etc etc etc, diários e infinitos etcéteras, que você não viu por ser muito burro, muito alienado ou muito mau.
O incrível é que nem na ficção algo assim ocorre. Nossa distopia é como aqueles pesadelos em que o cara fica se debatendo na cama e não consegue acordar. No cinema, é diferente. O protagonista consegue a prova irrefutável de que o vilão é muito, mas muito malvado. Ato contínuo, final feliz, beijos, abraços, The End e o alívio do espectador, que vai jantar com a alma apaziguado.
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O que este texto pede é, basicamente, uma vitória que vá além das urnas no catártico 30 de outubro. Nós precisamos, se possível, erradicar os ovinhos que parecem lêndeas espalhando piolhos na forma de serpentes sobre as nossas cabeças.
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Sobre o governo eleito, começou superbem. Frentão de transição une todo o país, sem sectarismos, na medida em que abarca todas as forças civilizatórias. O resto é resto. Só os fascistas ficam de fora, e isso é ótimo, porque o governo que assume em 1º de janeiro precisa justamente pôr o lixo no lixo. Essa é uma das suas prioridades urgentes. Que o Quadriênio Quadrúpede fique como triste curiosidade histórica e antropológica. É tipo “MDB x Arena”, mas não o MDB que foi “oposição consentida” e agora mostrou a cara. Tipo aquele ex-senador e ex-governador que, por mim, infelizmente não será lembrado pelas décadas de suposto progressismo, mas pela reveladora atuação entre 2018 e 2022, quando mostrou que o Brizola, como de costume, tinha razão.
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Enfim, vamos varrer a gorilada e tratar de fazer o dia nascer feliz.
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Ah, sobre alunos que falam absurdos imitando o que ouvem nesta sociedade corrompida pelo fascismo, falo sobre a minha escola, o meu eterno Colégio Israelita Brasileiro com os lindos valores humanistas que conheço muito bem. Resumo: o jovem ouve no colégio ensinamentos maravilhosos sobre generosidade, diversidade e respeito às diferenças, partindo de professores altamente preparados humana e profissionalmente. Aí, sai da escola e ouve, de seus afetos e das autoridades desqualificadas que seus afetos idolatram, a ressignificação daquelas lições e valores ensinados com tanto esmero pra “mimimi”. E acabou!
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Shabat shalom!