Onde foi que li? O autor de livros ou de textos como este se inspiram em alguma inquietação. E é uma enorme inquietação que me mobiliza agora, como foram inquietações que me levaram a escrever livros. Vivas a ela!
O assunto? Futebol. Mais precisamente, uma sacanagem inconcebível, sorrateira e deletéria que vem sendo repetida com crescente, perversa e perigosa naturalidade até pelo próprio presidente do Internacional a respeito do icônico mundial interclubes gremista.
Antes, algumas devidas ressalvas:
1) Quem me conhece desde criança sabe que nunca foi do meu temperamento entrar em brigas tolas sobre time e tocar flauta.
2) Já fui setorista no Beira-Rio durante um ano e meio e achei natural. Fiz ótimos amigos e adorei conviver com muitas pessoas.
3) Valorizo todas as conquistas do adversário do meu time e identifico suas belezas, seus méritos, sua história, suas virtudes.
4) Acho que os gremistas deveriam valorizar aquele gol do Falcão contra o Cruzeiro como algo relevante pra todos nós (a primeira conquista nacional), assim como os colorados deveriam valorizar os gols do Renato contra o Hamburgo (nos puseram no mapa mundi).
5) Sou sincero em tudo e critico profundamente pessoas, em especial jornalistas, que mentem ou brigam com a verdade.
6) Estamos conversando sobre um jogo que mobiliza emoções e mexe com questões até identitárias e de profundas memórias afetivas.
7) Sou um cara que, apesar de não ser dado às zoações, diverte-se com a criatividade e ri até mesmo daquilo de que sou alvo.
8) Devemos separar flauta (algo que necessariamente deve ser leve e divertido) de agressões, desconstruções e crimes contra a honra.
9) “Deixar falando sozinho” é expressão que, vista de forma literal, não é inocente. O “solitário” diz o que quer sem ser contestado?!
10) Por todo o exposto acima, imagino que fique claro que não sou fanático no sentido da cegueira, mas sim no literal, de fã.
11) Se alguém se ofender (e tem que se ofenda diante de uma reação!!!), se incomodar (!!!) ou minimizar meu incômodo por ser “assunto irrelevante” ou porque sou “fanático”, é essa pessoa o que diz que eu sou. E minha resposta é: não passarinho!
Feitas as ressalvas em 11 itens, vamos ao ponto.
Ou melhor, ao ponto pelo seu inverso.
Nada melhor, pra ser compreendido, do que provocar a empatia. Nada melhor, pra ser respeitado, que pôr meus sapatos nos teus pés.
Ouço um negacionismo perverso e insistente em relação ao mundial interclubes do Grêmio. Dizem os maiores absurdos da nossa Intercontinental (sim! “Intercontinental”. Qual o problema? Como “internacional” é entre nações, “intercontinental” é entre continentes).
Problemas sérios que vejo na simples “zoação inocente” ou no mero estabelecimento dessa pauta?
1) Gremistas como eu experimentaram ali um dos momentos mais lindos da vida, no meu caso ao lado do pai, uma euforia tremenda. Quem viveu sabe. Era como o homem chegar à Lua. Era alcançar o que só o Santos do Pelé conquistara e, mais recentemente, o Flamengo do Zico. Era absurdamente inacreditável.
2) Um amigo meu chegou em casa outro dia e encontrou o filho triste porque um ADULTO na escola lhe disse que seu time (o Grêmio) não é campeão mundial.
Veja bem, preste atenção / Perceba as consequências da perversão!
Portanto, creio que qualquer pessoa lúcida conclui que isso é grave!
É um discurso patético, ridículo, mas que vai se tornando voz corrente e naturalizada entre vários colorados, espraiando-se perigosamente entre crianças, com argumentos e arrazoados absurdos, que ultrapassaram qualquer limite do minimamente compreensível ao, recentemente, encontrar eco na própria voz oficial do clube. É, em linguagem tosca, uma tremenda filha-da-putice!
Basta!
É pequeno, desrespeitoso, daninho e imundo.
Vamos, então, ao prometido exercício de empatia.
Se a questão é mudança no nome do certame, mudança no organizador do certame e mudança na fórmula do certame, digamos que algum gremista tenha resolvido implicar com os títulos brasileiros colorados.
Pela lógica que tenta desconstruir nossa História, o Internacional nunca teria sido campeão brasileiro, algo que jamais cogitei, mas que me forçam a pensar. A organização era da CBD (e não da CBF), a entidade da ditadura que fazia da competição nacional uma bagunça repleta de vícios casuísticos, inflando e desinflando para atender aos interesses do governo. O nome? Copa Brasil (e não Campeonato Brasileiro). A fórmula? Completamente diferente da que temos atualmente. Aliás, na antiga Copa Brasil de 1979, por desacordos com a CBD (foi o último campeonato nacional organizado por ela), Corinthians, São Paulo, Santos e Atlético-MG boicotaram o torneio. Ou seja, um terço dos maiores clubes brasileiros não jogaram (e isso nunca me levou a questioná-lo…).
Logo, que tenham ao menos coerência: se o cara acha que o título mundial conquistado pelo Santos do Pelé (que barbaridade!), pelo Flamengo do Zico, pelo Grêmio do Renato e pelo São Paulo do Raí não é legítimo, o mesmo deve valer para os três títulos brasileiros colorados.
Detalhe: TODOS, Racing, Independiente, Boca, Ríver, Velez, Peñarol, Nacional e Olimpia, são orgulhosos campeões mundiais via Copa Intercontinental. Sempre foram campeões da Intercontinental como sinônimo de mundial (usam as duas denominações, inclusive).
Ou seja, quem deprecia essas conquistas, além de necessariamente negar seus próprios títulos nacionais (por questão de isonomia), está fazendo o papel ridículo do cara que nega a consagração de todos os outros.
É um negacionista raiz de uma corja de tarados patéticos!
Nem mesmo o reconhecimento oficial da FIFA para o óbvio (sim, a FIFA, certamente pra proteger algumas das páginas mais lindas da História do futebol, explicitou o óbvio oficialmente sobre a antiga Intercontinental, pondo em palavras que ela era o torneio mundial da época) deteve a sanha desrespeitosa, desonesta e perversa desses negacionistas.
Se alguém chama a taça mundial mais antiga de Intercontinental, ok! Digo com orgulho esse lindo nome. Ao dizermos “somos campeões da Copa Intercontinental”, precisamos encher a boca e inflar o peito, porque estamos nos incluindo numa estirpe de campeões mundiais pioneiros.
Digo mais: a Intercontinental tem muito mais semelhanças com o mundial atual do que a antiga Copa Brasil tem com o atual Campeonato Brasileiro.
Você já viu o documentário sobre a FIFA e seus desmandos, com a ampliação dos torneios por questões eleitoreiras? Tem no streaming. O mundial interclubes, que era organizado por UEFA e Conmebol, mas aos auspícios da FIFA, passou a incluir times da África e da Ásia, que normalmente são coadjuvantes, para atender a esses mesmos interesses.
A lógica se manteve sempre a mesma. Os torneios continentais servem de etapa classificatória pra decisão num tira-teima de quem é o campeão mundial. Se o problema é que antes não havia África e Ásia, ora, o que fazemos com dois dos campeonatos brasileiros em Copas do Mundo que também não tinham? O Brasil só ganhou três copas do mundo, então?
A propósito, se formos ver, por essa lógica recalcada, o verdadeiro “campeonato brasileiro” é a Copa do Brasil, que inclui todos os Estados.
Enfim. Estou soterrando os perversos com fatos.
Adoro fazer isso!
O motivo deste textão? Por mais que alguns colorados desdenhem o incômodo alegando que “não dá nada”, “é só zoação”, “tu é fanático”, “não exagera” e outras desidratações do que é alheio, eu, como pesquisador do futebol, atesto: essas zoações, se não são combatidas, tornam-se narrativas e vão se repetindo, até o filhinho do amigo chegar em casa triste porque o que o pai dizia não era nada daquilo.
Quem não vê seriedade nisso é clubista e cego.
Nessa rivalidadezinha ridícula e destrutiva do Rio Grande do Sul, é muito provável que esse texto chegue ao fim praticamente só com a leitura de gremistas. Os colorados, que precisariam lê-lo para refletir a respeito, vão sentir repulsa, mesmo que em rigorosamente nenhum momento haja algum desrespeito a eles. É muito provável que seja reprovado no meu raciocínio, como se logo eu fosse o exagerado ou extremista.
O colorado que se incomoda com este texto ou que me reprova peca pela omissão e é tão perverso quanto quem insiste nesse desrespeito.
Quando o próprio presidente colorado comete esse desrespeito publicamente, além de mostrar falta de domínio do cargo que ocupa, contraria os princípios mais básicos da diplomacia. Um desses princípios, aliás, é o da reciprocidade. Como não teria cabimento sairmos por aí negando os títulos nacionais alheios, eu aplaudiria em pé um rompimento parcial, até que esse sujeito desocupe ou cargo ou se retrate.
Brinquem com leveza, como deve ser! Eu me divirto junto, juro. O Grêmio é “Big Brother Brasil” (BBB) porque caiu três vezes pra série B? Cara! Maravilhosa a piada. É fato! Quando ouvi, ri junto, porque é divertida.
Mas a desconstrução do alheio não tem nada de divertida.
A desconstrução do alheio inviabiliza a convivência sadia (podem me julgar, mas eu não me relaciono com quem deprecia um dos momentos mais emocionantes que vive ao lado do meu pai já falecido).
A desconstrução do alheio é atestado de miudeza.
A desconstrução do alheio só subtrai, a ponto de pôr em questão o mundial do Grêmio e necessariamente os brasileiros do Internacional.
Se cabe a mim passar por delirante, chato e “fanático”, paciência.
Eu sei que não é a mim que cabem esses xingamentos.
Uma das qualidades que mais admiro é a perseverança na defesa tenaz de algo, mesmo sob o bombardeio de quem não quer compreender.
Você também perde com isso. E ainda mostra seu caráter.
Mesmo tendo elementos similares pra agir igual a você (como mostrei acima), nunca entrei nessa. Espero que você saia dela.
…
Shabat shalom!