“Eis porque os sedentários
do mundo inteiro
me aprisionam, me torturam, me degolam,
me fuzilam, me encerram em câmaras de gás
e me obrigam a carregar as suas culpas
até aos desertos da filosofia.”
Armindo Trevisan/Um judeu confessa sua culpa
Há um antissemitismo ancestral, escancarado. E um quase sutil, estrutural, contemporâneo. Sempre houve a macabra dobradinha. O antissemitismo estrutural já esteve em acusar judeus de banqueiros avarentos, e o escancarado, em matar seis milhões deles.
O antissemitismo estrutural já foi fazer piada de judeu pão-duro, e o escancarado, chamá-lo de assassino de Jesus, um judeu, assim como racismo estrutural pode ser fazer piada dos pretos e o escancarado, assassiná-los em abordagens policiais.
Hoje as manifestações do antissemitismo vêm sendo outras, mas as duas, de forma ruidosa, andam saindo das tocas, de forma que o antissemitismo estrutural carece de um letramento como este que justamente se tenta propor para o racismo, a misoginia, a homofobia. Para podermos olhar o que está entranhado no fundo de nós e que, plantado há séculos, volta à tona, sem que nos demos conta.
O antissemitismo estrutural vem aparecendo quando uns e outros palpitam sobre a Guerra Israel-Hamas sem perguntar como Israel poderia se defender de um grupo terrorista que perpetrou um ato bárbaro, com ações criminosas que incluíram matar a esmo, estuprar, queimar bebês, mulheres, homens, cachorros, idosos, mantendo ainda reféns vários deles. Todos civis.
O antissemitismo estrutural vem aparecendo quando pensam que não há judeus chocados e tristes pelas ações do atual Governo do Estado de Israel. E que, mesmo em nome da defesa, provoca a fome, o êxodo, a matança de Palestinos. E que esses mesmos judeus propõem uma solução de dois Estados convivendo em Paz no Oriente Médio, sem a interferência de um grupo terrorista que deseja o extermínio de um deles.
O antissemitismo estrutural vem aparecendo quando, ao abordarem essa tragédia humanitária, as pessoas não incluem, na causa dela, os terroristas do Hamas, cúmplices da reação israelense, ao fazerem dos civis escudos humanos, ao lançarem suas bases em escolas e, sobretudo, em hospitais, ao proporem no seu mantra a destruição completa do Estado de Israel, aqui antissemitismo escancarado.
O antissemitismo estrutural vem aparecendo quando judeus são confundidos com um Estado, quando um Estado inteiro é confundido com um só Governo, generalizando o ódio contra um povo como se não houvesse uma pá de Governos radicais ameaçando a democracia, em muitas partes do Planeta, incluindo o Brasil recente.
O antissemitismo estrutural vem aparecendo quando a palavra sionista é utilizada com desconhecimento de sua causa e, novamente, a serviço de (re)encontrar um bode expiatório para os males do mundo (que não são poucos), negando o quanto isso foi feito com os judeus, ao longo da história, como durante o nazismo e o Holocausto, incomparáveis com a matança (inaceitável) de civis, mesmo em nome de uma reação, mas comparável a uma ação terrorista e bárbara de um antissemitismo escancarado.
O antissemitismo revela a face mais odiosa do ser humano, esta que se manifesta através do preconceito a um credo, a uma etnia, a um gênero, a uma orientação sexual, a uma tonalidade de pele, a uma diferença. Ele entra nesta paisagem nem sempre visível, porque pode ser escancarado, mas também sutil, entranhado, mal disfarçado, estrutural.
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